Moradores da rua Marechal Deodoro pedem por direito de "ir e vir"

Desde 2009, Prefeitura não renova licença para a utilização de veículos em trecho entre a avenida Rio Branco e a rua Batista de Oliveira

Lucas Soares*
Repórter
18/07/2014

Os moradores da rua Marechal Deodoro da Fonseca, no trecho entre à avenida Rio Branco e a rua Batista de Oliveira, no Centro de Juiz de Fora, convivem com um problema considerado grave por eles, desde 2008: a não permissão de uso de veículos pessoais no trecho em nenhum horário, além da proibição de tráfego de táxis na região.

De acordo com o síndico de um edifício na Galeria Epaminondas Braga, Afrânio Batista Júnior, 71, até 2008, a Prefeitura autorizava a utilização de veículos particulares de moradores na via, seguindo determinadas exigências. Mas, a partir do Decreto Municipal nº 9357, de 25 de outubro de 2007, que alterou as operações de carga e descarga de mercadorias, o então prefeito Alberto Bejani, dificultou a utilização dos automóveis. "Nós não fomos procurados por ninguém. Simplesmente ficamos sabendo através da imprensa que a nossa rua foi transformada em via de pedestre. Somos cidadãos, cumprimos com nossos direitos, pagamos impostos mais caros que outras pessoas por morarmos nos Centro e temos o direito constitucional de ir e vir de nossas residências", relata Júnior.

Essa situação gera, inclusive, dor de cabeça para os moradores que dependem do serviço de táxi, de acordo com a aposentada Adalila Maximino de Oliveira, 83, vizinha de Afrânio. "Eu tive uma queda de sódio e potássio e precisava ir ao hospital, na parte da tarde. Já ando de bengala, e ainda precisei da ajuda da minha filha e de um vizinho, que praticamente me carregou, para ir até a rua Batista de Oliveira conseguir pegar um táxi", lamenta. O caso, segundo a aposentada, não é isolado. "Em 2013 eu passei mal a noite e fui à Santa Casa. Quando voltei, às 3h da manhã, o motorista do táxi não quis entrar na Marechal, mesmo me pegando dentro de um hospital e vendo que eu utilizo bengala para andar, com medo de ser multado", comenta.

A síndica de um prédio na Marechal Deodoro, Anna Mary Dutra Gotelipe, 74, é outra a reclamar da situação. "Eles (Prefeitura) falam que só porque nenhum prédio na rua tem garagem, não pode entrar carro. Se alguém precisa chegar com compras, entrar ou sair de um carro, como é que fica? É preciso que tenha exceção. Nós sabemos que tem muito trânsito de pessoas por causa do comércio, mas depois que fecha, por exemplo, não tem nada a ver a proibição. Toda regra tem uma exceção", afirma.

Via de pedestre

A rua Marechal Deodoro foi transformada em via de pedestre em 1991, através do Decreto Municipal 4.486, de 30 de julho daquele ano, também por Alberto Bejani. Mas, de acordo com Júnior, a dificuldade de se renovar a licença começou a partir de 2009, no início da gestão de Custódio Mattos, quando o condomínio enviou um memorando à Prefeitura, datado de 26 de janeiro de 2009. "Fizemos um pedido, enviamos um memorando com a relação de todos os moradores do prédio que possuem carros, com as respectivas placas, solicitando que tivéssemos nossas autorizações de volta, inclusive para uso de táxi. Não pedíamos muito, apenas nosso direito constitucional de ir e vir, em dias úteis após às 20h, aos sábados depois das 14h30 e domingos e feriados livres. Eles não deram, falaram que não temos mais esse direito", diz.

À época, a então Chefe do Departamento de Engenharia de Tráfego de Juiz de Fora, Sheila Melini, da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), afirmou em resposta enviada ao condomínio que "não há qualquer direito subjetivo/adquirido em ter renovada a autorização nos moldes anteriores" e que o "poder/dever de autotutela permite ao Gestor Público rever seus atos quando inconvenientes, bem como revogar os ilegais, independente de qualquer provocação". Sheila ainda disse que "a violação ao direito constitucional de "ir e vir", apresenta-se completamente infundada, vez que a limitação do trânsito de veículos em determinadas vias de circunscrição municipal, pela autoridade de trânsito competente (Secretário da SETTRA), não configura descumprimento do direito fundamental da liberdade, muito menos de locomoção no território nacional".

Teoria e prática

No entanto, no mesmo documento, Sheila destacou que, em casos comprovados, através de um atestado médico, a dificuldade de locomoção, a Settra vai avaliar possibilidade de concessão de autorização para embarque e desembarque de pessoas que sejam residentes em imóveis localizados na via em questão. Na prática, de acordo com o síndico, a história é diferente. "Eu vivi isso na prática. Minha falecida mulher era muito doente e minha casa era um verdadeiro hospital. Precisava constantemente de táxi, ou mesmo levá-la no meu carro. Até que chegou ao ponto em que ela ficou dependente de oxigênio e eu tive que contratar uma ambulância para ficar disponível para ela quando precisasse. Isso é um absurdo! Eu achava que táxi para ela era até melhor, ela não se sentia bem dentro da ambulância", comenta.

Outro morador da Marechal que passa por situação semelhante é Fernando Faria Lhno, 48, que mora no mesmo local há 28 anos. "Minha mãe tem 88 anos, é obesa, tem muita dificuldade para ir à rua e o táxi não pode entrar. A gente tem que carregá-la até o Parque Halfeld ou à Batista, ouvindo os próprios taxistas reclamando que se eles entrarem, serão multados. Para ela poder ir para o hospital, mesmo que seja para uma coisa simples, tem que chamar uma ambulância", lamenta.

Prefeitura explica

Quando houve a troca de governo, com a saída de Custódio Mattos para a entrada de Bruno Siqueira no executivo municipal, Afrânio visitou a Câmara Municipal e conversou com o presidente da casa, Júlio Gasparette (PMDB), que tentou interceder enviando um memorando em nome da Câmara ao atual chefe da Settra, Rodrigo Mata Tortoriello. "O Júlio entrou em contato com eles no dia 13 de agosto de 2013 e eles tiveram a cara de pau de enviar a mesma resposta de 2009", diz o síndico.

Através de nota, a assessoria de imprensa da Settra afirma que "Quanto às vias de pedestres, como prevê a lei, não está autorizada para passagem de veículo, exceto carga e descarga, em horários e tonelagens específicas. Em caso de acesso a moradores, a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) realiza um cadastro e libera o acesso para prédio que contam com garagens. Essa autorização é entregue ao morador, mediante apresentação dos documentos obrigatórios, devendo seguir alguns critérios de acesso e é válida para um período de seis meses. Os interessados devem procurar a pasta, pelo telefone 3690-7002."

Na Câmara

A resposta enviada pela Prefeitura aos moradores não satisfez o vereador Júlio Gasparette, que promete convocar audiência pública para debater a questão. "Se eu pudesse dar ordens, acho que carros particulares e táxis, em momentos de urgência, não fiquem impossibilitados de passar. Eu vejo que os moradores têm toda razão, mas infelizmente dependemos da Settra, que é o nosso gerenciador do trânsito. Vou convocar uma audiência pública para ouvir os moradores, a secretaria, e buscar uma solução", promete o presidente.

Por outro lado, o vereador Zé Márcio (PV), presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito e Meio Ambiente e Acessibilidade do Legislativo, acredita que não há muito a ser feito. "A solução é a mesma para quem mora no Calçadão da rua Halfeld. Em caso de emergência, o veículo é autorizado a entrar. No entanto, quem tem um veículo particular, deve procurar um outro local para parar, igual funciona com quem mora na rua Halfeld. Se você liberar a passagem de carros de morador, deixou de ser Calçadão, perde-se o sentido. É assim em calçadões do mundo inteiro. Minha opinião como engenheiro é que a rua Marechal e a rua Halfeld, na parte do Calçadão, é que a Halfeld tem a calçada completa e a Marechal não. O número de pessoas que circula ali é praticamente o mesmo, a Prefeitura não teve foi recurso para fechar tudo", concluí.

*Colaborou Vívia Lima, estudante do 7º período do curso de Jornalismo da UFJF

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