Oscar 2020: Dois Papas

Nome do ColunistaVictor Bitarello 30/12/2019

Dois Papas começa mostrando Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) assumindo a posição de chefe máximo da Igreja Católica, tornando-se, assim, o Papa Bento XVI. Após, o filme desenvolve-se mostrando a tentativa do Cardeal argentino Jorge Bergoglio de aposentar-se, processo que culmina em uma amizade entre os dois. Em fevereiro de 2013, Jorge é eleito e torna-se o Papa. O Papa Francisco.

Eu devo ser honesto e dizer que ouvir qualquer história que o envolva, sendo que ela faça o devido jus ao seu papado, inevitavelmente irá me agradar. Sou um grande admirador da pregação que ele vem fazendo desde que assumiu seu posto, e sou muito agradecido por saber que o cargo mais alto da Igreja é ocupado por um homem cujos pensamentos, posições e decisões são consideradas progressistas, dentro de uma instituição muito conservadora e muito influente no ocidente. O que a Igreja Católica diz influencia. Não há como negar.

Eu diria que "Dois Papas" tem um pouco de bom e um pouco de ruim, em porções iguais. Mas, independentemente disso, estou com certa dificuldade de entender esse alvoroço que ele está causando, a ponto de estar concorrendo em quatro categorias no Globo de Ouro 2020, e provavelmente estará presente com fartura no próximo Oscar.

O que há de melhor no filme é o trabalho de Jonathan Pryce e Anthony Hopkins, nos papeis dos Papas Francisco e Bento XVI, respectivamente. Cada fala, cada olhar, cada entonação, são sublimes. Eles estão tão graciosos, tão mensageiros. Um trabalho de atuação lindamente maduro. Será horrível suportar ver Jonathan Pryce perder o Globo de Ouro para Joaquim Phoenix (de "Coringa"). Mas Globo de Ouro é um prêmio um pouco confuso, porque parece que a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (AIEH) fica um pouco em cima do muro. O Oscar acaba sendo mais firme e mais interessante. Tomara que nele Jonathan vença.  

Voltando a "Dois Papas", eu acredito que ambos os atores serão indicados ao Oscar. Temos o mesmo Jonathan Pryce de "A Esposa", injustiçado este ano, pois não recebeu sequer a indicação, merecidíssima, pelo seu desempenho como o escritor que recebia todos os louvores, sendo que, na realidade, deveriam ir para sua esposa. Já com relação a Anthony, penso que é bem possível sua vitória de melhor ator coadjuvante, apesar de Brad Pitt estar fantástico em "Era Uma Vez Em... Hollywood".

O problema do filme acaba ficando mais no roteiro e nas escolhas da direção. Tem seus momentos interessantes? É claro que sim. Ele marca muito bem as razões das diferenças de mentalidade entre Joseph e Jorge. Ratzinger nasceu em uma cultura de um tempo rígido e tenso na Alemanha. Já Bergoglio, em um país latino americano, do tango, do futebol. Joseph foi criança durante o pior momento da história da humanidade, vivendo no país central do conflito. Jorge viveu o horror da pior ditadura sul americana. Para um, o apego ao ritual, às normas. Para outro, o amor ao sofredor, a vontade de romper as barreiras que dividem as pessoas. O filme conseguiu, a seu modo, mostrar que há uma importância em ambos os aspectos de uma religião. Os ideais de Jorge, que o fizeram ser eleito, são extremamente válidos e necessários. Mas esses ideais só conseguirão ser colocados em prática se normas e rituais forem adaptados, ou até mesmo criados. É ingenuidade pensar que suas colocações, tão esforçadas em seguir a Palavra de Cristo, serão vividas e seguidas pela Igreja, se não houver normatização.

Porém, em alguns momentos do filme, penso até que em vários deles, faltou um pouco de densidade às falas. Infelizmente, houve trechos que pareceram postagens de redes sociais. Essas típicas discussões entre pessoas que não se conhecem, dizendo aquilo que acham. Diálogos com intenção de mostrar que Jorge é/era um bonzinho da esquerda, e Joseph um vilão da direita. A grande questão é que, por mais maravilhoso que o Papa Francisco seja (eu penso, sim, que ele é!), faltou uma crítica mais dura à instituição Igreja, pois essa crítica é por demais merecida. O filme é muito palatável. Jorge não foi eleito por sua graciosidade, mas por desespero institucional. Suas propostas tinham uma popularidade que eram e são interessantes para uma Igreja que não quer perder fieis. E que quer atrai-los também. É lindo vê-lo falar em seus discursos? Sim, eu me encanto. Mas penso, realmente, que o filme poderia ter sido mais claro, até mesmo óbvio, em criticar uma Igreja que tanto sofrimento causou, e causa, na história da humanidade. Não me agradou muito a aparência de julgamento negativo quase que só em cima da figura do Papa Bento XVI.

Por consequência, penso que é inevitável criticar Fernando Meirelles. A condução do roteiro poderia ter sido mais ousada. Mas não vou privar-me de, humildemente, elogiá-lo por nos trazer dois grandes atores conduzindo a trama de maneira tão primorosa.

Muito provavelmente, caso o filme receba algum Oscar, será o de melhor ator coadjuvante, para Anthony Hopkins, no papel de Bento XVI. Vamos aguardar os indicados.

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