Entrevista com o compositor e cavaquinista Toinho Gomes
Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida?
Toinho Gomes: Sou de Taruassu, que está famosa agora, pois tem um cachaça chamada Taruan. Taruassu pertence a São João Nepomuceno, cidade em que comecei a ouvir. Meu avô tocava acordeon e assim eu costumava ouvir os calangos e os discos de 78. Umas músicas do Luiz Gonzaga, aquela do alfaiate do primeiro ano, Chofer de praça. Lembro também de uma do Sinhô “O homem com toda fortaleza desce da nobreza não se deve amar”. Era legal, pois falava fortaleza e tinha a capital Fortaleza.
Depois quando já estava morando em Juiz de Fora, passei a ouvir a Jovem Guarda. Quando entrei para a universidade comecei a tocar Bossa Nova. Lá para 1973 me chamaram atenção o choro e o samba. O primeiro disco do Cartola que tem Alvorada me marcou muito. Há nesse disco um lance interessante, é a primeira vez que o sete cordas foi mixado na altura da voz.
Daniela Aragão: Este disco te impulsionou a começar a tocar cavaquinho?
Toinho Gomes: Não, foi o samba em geral o meu incentivo.
Daniela Aragão: Você começou a tocar violão tradicional de 6 cordas?
Toinho Gomes: Sim. Depois tentei o 7 cordas. Na época não era igual hoje, que você tem acesso a qualquer coisa por meio do youtube. Naquela época era dificílimo para encontrar algo. Partitura eu nem tinha, era tudo de ouvido. Aí comecei a tocar com meu irmão e meus primos um samba informal. Depois nos juntamos ao Beraldo e formamos o grupo que tocava no Som Aberto. Tocávamos samba e chorinhos enquanto A Pá fazia mais o repertório do Clube da Esquina. Uma vez, num aniversário meu aqui em Juiz de Fora veio um pessoal de Niterói, o Ronaldo do Bandolin e o Jonas do cavaquinho, que tocava com o Jacob do Bandolim. Depois fui trabalhar em Volta Redonda, por lá predominava a música regional e quase não tinha cavaquinho.
Daniela Aragão: Você estava com quantos anos?
Toinho Gomes: Por volta de trinta.
Daniela Aragão: Olha que você não pegou o instrumento tão cedo para tocar assim tão bem.
Toinho Gomes: Comecei a tocar o violão mais ou menos direitinho em 72 e assumi o cavaquinho em 81. Sou de 53.
Daniela Aragão: Ao tomar posse do cavaquinho você sentiu que havia encontrado seu instrumento?
Toinho Gomes: Com certeza. A partir daquele momento não parei mais. Em Volta Redonda fui convidado para tocar no grupo Chorões da Vila. Depois retornei a Juiz de Fora e passei a fazer parte do Choro e Companhia. Como sou engenheiro, sempre trabalhei viajando. Passei uma parte em Manaus e Roraima. Em Belém toquei muito.
Daniela Aragão: Você morou no Equador, como foi a experiência com a música de lá?
Toinho Gomes: No Equador o que eu menos tocava era choro. Lá eles tem uma música tradicional chamada Pasillo, assim como na Colômbia tem o Varianatto. No Equador eles dão muito valor às músicas antigas como o bolero. Como tenho facilidade para ritmos diversos, lá aprendi detalhes do bolero deles. Fiquei por lá uns três anos. Sempre me interessei por música e aproveitei para trazer para o Brasil muitos CDs. Voltei de vez para Juiz de Fora definitivamente em 2000. Nessa época compus meu primeiro samba dedicado ao Mamão, chamado “Dois Armandos”, para ele e o Ministrinho.
Daniela Aragão: Vale ressaltar que você tocou um ano no conjunto do Ministrinho.
Toinho Gomes: Havia me esquecido de relatar essa experiência tão rica. Foi em 91. Um dia fui no Bar do Léo, lugar em que o Ministrinho fazia sambas todos os domingos. Num dado momento, me deram um cavaquinho e o Ministrinho falou “- Uai cê toca bem hein”. Passei então a tocar aos domingos com o Ministrinho. Certa vez cheguei num bar em que ele estava tocando sem cavaquinista, peguei o cavaquinho, toquei. Ministrinho disse que o Pedrinho tinha saído do conjunto. Foi a última formação do conjunto. Com o Ministrinho aprendi todo o repertório de Juiz de Fora. Percorri praticamente todos os sambas antigos da cidade e muita coisa do repertório nacional antigo como Ataulfo Alves. O repertório era uma maravilha.
Daniela Aragão: Você está comentando sobre a execução de seu instrumento. E a composição autoral. Você já compunha?
Toinho Gomes: Ainda não. Depois da morte do Ministrinho, um dia me veio a ideia de fazer um samba. Bateu a inspiração para compor o “Dois Armandos”, como eu já era muito amigo do Mamão. Mamão e Ministrinho se chamam Armandos, daí então o “Dois Armandos”. Cantarola: “Amor pelo samba igual eu nunca vi/maior tesouro não pude encontrar/um foi meu mestre hoje está na saudade/pelo o outro eu tenho uma grande amizade/O samba invadindo a cidade inteira dois Armandos é brincadeira”. Nesse meio tempo começou a aparecer um monte de ideias. A partir daí passei a compor muita música junto com o Mamão e o Carioca. Quando Mamão gravou seu segundo cd, ele colocou vários sambas de nossa parceria.
Daniela Aragão: Como funciona seu processo de composição junto com o Mamão?
Toinho Gomes: Ele se alterna. Às vezes apresento alguma ideia para o Mamão. A maioria das músicas na verdade nós compomos juntos. Mamão não aceita como a maioria das pessoas “fazer samba por telefone”.
Daniela Aragão: O Mamão gosta de sentar ao lado do parceiro e trabalhar junto.
Toinho Gomes: Isso mesmo. Ele mexe toda hora. Eu faço letra, música. Mostro a ideia de uma letra e o Mamão complementa. Ele me apresenta uma música, eu ajudo a fechar. No segundo disco “Pedacinho de Mamão” tem vários sambas meus em parceria com ele. Muita gente gosta do “Cidade iluminada” (cantarola): “Oh cidade iluminada quantas madrugadas vaguei por aí procurando pelos amigos que não voltam nunca mais quantos bares já fechei”.
Compus muitos sambas em parceria com o Mamão. Costumo fazer também com o Carioca. Muitas vezes a gente vai parando porque o pessoal vai se afastando. Fizemos uma quantidade enorme de sambas para o Bloco do Beco. Aprendi muito com o Mamão. Mamão tem umas jogadas assim “Se você diminui a letra melhora a melodia” (risos).
Daniela Aragão: Na verdade há todo um processo intuitivo.
Toinho Gomes: Ao invés de falar “e eu vou, fala vou”. Você dá uma nota só e ganha espaço na melodia. O Mamão é muito crítico, quando mistura uma palavra na outra.
Daniela Aragão: Os cacófatos .
Toinho Gomes: Isso mesmo, tinha me fugido o nome. Edite, ou hei de te amar ( risadas). Já falou na minha tia Edite aí, diz o Mamão. O Carioca me ensinou muito também, pois é um melodista incrível. Eles compunham muito sem instrumento, principalmente os sambas para o Bloco do Beco.
Daniela Aragão: Vocês utilizam o gravador?
Toinho Gomes. Exatamente. Quando entrei com o cavaquinho eles deslancharam, pois eu ajudava na melodia. Antes eles compunham os sambas para o Beco sem possuir a menor noção de música, saía o samba bonito, mas era só batendo o surdo. Quando entrei com o cavaquinho dei mais abertura para eles se soltarem na criatividade. Em 2000 peguei o Cavaquinho. No cavaquinho você tem dois modelos, o solo e o centro, que faz mais a base. Especializei-me mais na base. solo você tem aquele negócio da paletada, e fica horas e horas. Eu sempre gostei do cavaquinho de centro.
Daniela Aragão : Você chegou a ter algum estudo formal de música?
Toinho Gomes: Nada, meu processo é autodidata.
Daniela Aragão: Você é um músico de altíssimo nível. Você possui alguma rotina de treinamento, estudo de seu instrumento?
Toinho Gomes: Quando estou compondo tenho um jeito de registrar. Às vezes me contento em escrever no computador, no Encore. Todo dia eu pego o cavaquinho. Me lembro de uma manhã de sábado em que peguei o cavaquinho e sem querer saiu um solo, pensei então que daria para fazer um chorinho. Comecei a trabalhar naquilo.
Uns meses depois o Clube do Choro tocava no Gaudêncio e chegou a Marília Barbosa, que era presidente da Funarte. Lançaram em 2001 o festival “Chorando no Rio”. Ela falou que teria um festival de Choro no Rio e aquele que tivesse algum choro poderia mandar. Passei para o Cazé do Bandolim uma fita. O choro acabou se chamando “No Boteco do Helio”. Mandei para o Rio na tradicional fita cassete. Fui classificado como semi-finalista. Eu soube que mandaram 232 choros, entre compositores do Brasil e do exterior. Eu fiquei entre os trinta e seis. Separaram em três grupos de doze. No meu dia foi um sucesso e cheguei até a final. O pessoal adorou “No boteco do Helio”.
Em 2012 entrei na Lei Murilo Mendes e fiz meu primeiro disco de choros. O Ronaldo do Bandolim me acompanha desde o princípio, o Maionese vem sempre. O Zé da Velha não podia. Vou mexendo com tudo. Sempre vou fazendo choros.
Daniela Aragão: Você passou a compor marchinhas. Como surgiu essa ideia?
Toinho Gomes: Quando apareceu o concurso o pessoal me chamou. Gosto de compor Marcha Rancho. Já notei que o pessoal abusa um pouco das marchas, quando entramos com uma tradicional, ela é sempre selecionada. Eu, Barroso, Carlos Fernando fazemos a marcha tradicional.
Daniela Aragão: Fale sobre seu disco mais novo disco dedicado ao repertório de Waldir Azevedo.
Toinho Gomes: Neste disco pretendi priorizar o cavaquinho, então convidei o famoso Ausier Vinicius, que é de Belo Horizonte. Ele é praticamente um dos herdeiros do Waldir Azevedo. Ausier sempre gostou das minhas músicas. Nos reduzimos a dois cavaquinhos, um solo, outro centro, dois violões e pandeiro. Escolhemos esse formato e ficou muito bom, pois explora o cavaquinho. A filha do Waldir Azevedo ouviu as composições antes do disco sair e gostou muito. No programa do Acir Antão, na rádio Itatiaia, ela participou ao vivo do programa através do telefone. Gravei a canção “Cinema Central” com a participação da Daniela Spielman e Kiko Horta. Esta música já tinha sido gravada deuma maneira muito bonita pela cantora Dyonisia, mas resolvemos fazer a versão instrumental.
Daniela Aragão: O que é a música para a sua vida?
Toinho Gomes: O pessoal que estuda mais a parte de espiritismo diz que nós somos somente um instrumento. Nesse ponto recebo sempre muita coisa boa, sempre tem algo surgindo na minha cabeça. Escuto uma frase de repente e penso sobre como a pessoa pode falar uma frase daquela e não perceber. A música é meu canal de conexão com o mundo, é através dela que eu vejo as coisas do mundo.
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