"N?o temos escravos, temos empregados dom?sticos" Roberto DaMatta, antrop?logo de renome internacional, fala sobre as singularidades do racismo no Brasil, no dia da consci?ncia negra
Rep?rter
20/11/2006
No "Dia Nacional da Consci?ncia Negra", Roberto DaMatta, antrop?logo e escritor de renome internacional, deixa claro que o racismo ? um assunto que muito lhe interessa e abre o verbo: "N?o temos mais escravos, mas temos empregados dom?sticos". De passagem por Juiz de Fora como a personalidade da vez do "Projeto Tim Grandes Escritores", o estudioso de humor insuper?vel, deixa claro que cultura negra ? assunto de primeira ordem, quando se quer retratar a brasilidade.
Esse raio-x do nosso pa?s, ali?s, ? o que faz dele um dos nomes mais fortes quando o assunto ? identidade brasileira. Autor do cl?ssico da antropologia brasileira "Carnavais, Malandros e Her?is", que j? est? em sua 12? edi??o, DaMatta tem uma forte rela??o com Juiz de Fora. Foi aqui que o renomado antrop?logo passou parte de sua inf?ncia e adolesc?ncia, com a fam?lia, entre as d?cadas de 1940 e 1950.
Na primeira parte da entrevista com o pesquisador e escritor, a ACESSA.com discute o racismo no Brasil e as singularidades desse comportamento no nosso pa?s. Na resposta, Roberto DaMatta analisa a quest?o, do ponto de vista da antropologia, e ainda julga medidas que t?m sido adotadas nos ?ltimos anos, para compensar a desigualdade.
Confira na ?ntegra o posicionamento do estudioso sobre o racismo brasileiro, no "Dia Nacional da Consci?ncia Negra":
ACESSA.com - Neste dia 20, comemoramos o "Dia da Consci?ncia Negra". Qual a especificidade do racismo brasileiro, em compara??o com outros pa?ses? Como podemos julgar e analisar as medidas que t?m sido adotadas para compensar a desigualdade no nosso pa?s?
Esse assunto sobre negros e racismo, por exemplo, ? um tipo de discuss?o que ? complexa demais, n?o ? mesmo para amadores. Na ?rea do racismo, eu disse isso em uma confer?ncia e vou repetir: ? mais f?cil dois amigos falarem sobre suas intimidades sexuais do que falarem sobre racismo. Sempre que se vai tocar nesse assunto, algu?m diz: toma cuidado porque isso ? assunto que pode ofender pessoas de cor.
Imagine a seguinte situa??o: a loirinha de olhos azuis, fala para o pai que vai apresentar o novo namorado lindo, maravilhoso. E ? a? que de repente chega na sala, um menino, que tem um certo moreno, que ultrapassou a fantasia dos pais. Esse ? um caso t?pico de preconceito. O preconceito existe e de uma forma muito expl?cita, eu diria, no Brasil. ? at? uma contradi??o, porque um pa?s que acredita em tudo como o Brasil, n?o acredita que existe preconceito. Isso ? um absurdo!
A onipot?ncia brasileira, a onipot?ncia da nossa cultura, que ? uma cultura dominante e vitoriosa at? o in?cio do s?culo XX ? uma discuss?o interessante. A hist?ria do racismo no Brasil, se me permite, ? a velha hist?ria das classes dominantes e da cultura do "eu digo o que ? certo para voc?" que existiu no Brasil e existe at? hoje com o governo do PT.
Tem que ser pensado. Esse governo, est? com a mania de dizer o que tem que ser. Sendo que esse governo ? formado pelas pessoas que mais se declaravam justas, mais se declaravam corretas antes de se elegerem. Era os donos da justi?a social. Essas s?o quest?es que parecem n?o ter nada a ver com a pergunta, mas que s?o interessantes para serem pensadas. Como ? que a gente vai assumir que tem racismo se a nossa sociedade conseguiu driblar mais que o Garrincha o seu passado e essa quest?es?
At? 1880 ainda haviam escravos. Hoje n?o existem escravos mais, existem trabalhadores. E todo mundo olha para quest?o do preconceito no Brasil achando que ? somos uma Su?cia implantada, simplesmente esquecendo dos nossos antepassados. N?s n?o estudamos a escravid?o no Brasil. E isso ? um tipo de coisas que n?o d? para n?o ter dedica??o exclusiva em um certo tempo da vida.
Ali?s uma empregada dom?stica ? um exemplo muito interessante, pra poder exemplificar essa hist?ria. A gente n?o sabe o nome todo desses nossos empregados. A gente sabe que a lavadeira se chama Ded?, mas a gente n?o sabe o nome todo. Quem ? a empregada da sua casa? a Dona Maria. Maria de que? Ih! Cara, n?o sei o nome.
N?o sabe porque n?o interessa. Mas te interessa colocar ela dentro da sua casa, compartilhando at? dos segredos com voc?. A dona Maria sabe quando sua m?e t? chateada, quando ? que a mulher n?o "nada" com o marido. E bab? eu n?o vou nem dizer. Fazendo um retrato do Brasil ? essa bab? negra ou essa empregada, que no fim das contas, quando nada t? dando certo para a patroa, aconselha ela a fazer um "agrado" para o marido ou diz que a pomba gira dela n?o t? muito certa.
Nessas horas ela pode at? servir, pode at? ser escutada. Mas no mais, a patroa nem sabe o nome da mulher, n?o interessa. Ela est? ali s? para trabalhar para ela, est? ali para fazer o servi?o que o branco n?o quer fazer.
Essa sociedade que era estritamente escravocrata, faz da escravid?o mais que algo relacionado ao racismo, mas faz dela um estilo de vida. Um estilo de vida, que eu vou complementar aqui, que serve para toda a hierarquia que s? a sociedade brasileira tem t?o explicita assim.
Se eu vou estou assistindo televis?o, quem ? que vai pegar meu copo de ?gua? Quando n?o ? a empregada que est? sentada ali no cantinho, ? o primo que chegou de fora e est? morando de favor na sua casa. Se n?o ? o primo do norte, e ? um menino, pede pra irm?, se n?o ? a irm?, ? a m?e. Porque tem essa hierarquia, que tamb?m tem rela??o com quest?es de g?nero, al?m das quest?es de ra?a.
Nos Estados Unidos n?o tem isso. Cada um pega o que quiser na geladeira. N?o tem essa coisa com as empregadas dom?sticas n?o. Porque n?o se tem o hist?rico que o Brasil tem de aceitar a escravis?o como uma coisa normal do seu passado.
Eu posso at? dizer, porque morei l? por um tempo, que a pausa do comercial dos Estados Unidos, ? para o comercial, claro, mas foi programada tamb?m para que cada um v? buscar na cozinha ou no banheiro o que precisa. Pensamento de marketing. N?o se tem o costume de explorar as pessoas, como a cultura brasileira tem e acha plenamente normal.
Mas o pior de tudo, ? que o racismo brasileiro n?o ? f?cil de se pensar nem de se combater. Porque ele ? expl?cito, mas n?o ? legal. H? uma certa ambiguidade com rela??o ?s regras. As pessoas aqui, n?o conseguem nem ter a no??o de que est?o sendo preconceituosos. E ? essa mistura que se torna perigosa para o desenvolvimento das quest?es raciais.
Em outros pa?ses, a escravid?o estava relacionada com as leis. O negro n?o podia ir naquele cinema e pronto. N?o entrava em tal lugar porque era proibido. Quando a escravid?o acabou, eles puderam ir. No Brasil n?o. Nunca houve esse tipo de proibi??o e ? a? que est? a chave do problema. Os negros n?o entravam no cinema, porque se sentiam diminu?dos, e isso ? uma coisa mais dif?cil de se resolver quando algu?m chega e diz que a escravid?o acabou.
As coisas ficam no plano do simb?lico. E a?, vira preconceito embutido na cultura, coisa que para se enxergar demora s?culos e s?culos ainda.
Quando eu falo s?culos e s?culos, eu realmente espero que n?o seja isso que aconte?a. Mas ? dif?cil pensar que n?o quando a gente v? um pa?s que ainda acha que cota para negros ? uma coisa que vai roubar a oportunidade de quem tem oportunidade para ingressar na universidade.
Eu acho que as cotas s?o extremamente importantes, e que elas colocam os negros que ainda est?o em sua grande maioria atr?s de um balc?o de padaria ou esfregando o ch?o da casa da gente, em um lugar digno que como ? o caso de uma universidade.
Vou falar mais uma coisa para defender meu posicionamento no dia da Consci?ncia Negra: os n?meros de negros na popula??o s?o enormes. N?o sou expert quando o assunto ? IBGE, mas sei que eles s?o a grande maioria no nosso pa?s. Ent?o porque ser? que sempre que eu pego uma foto de um grupo de ju?zes, de um grupo de cineastas, todo mundo ? sempre branquinho?
Porque simplesmente quando a gente fala de hist?ria a gente tem que ter uma no??o de tempo diferente. Se eu afirmo para voc?s que at? 1880 toda cidade brasileira tinha um escravo, fica dif?cil n?o pensar que ainda n?o deu tempo de eles, por mais que queiram correr atr?s do preju?zo, possam ter conseguido se igualar aos brancos.
Temos uma d?vida com essa pessoas, e nesse ponto apoio o governo do PT, apesar de sempre estar falando mal deles (risos). N?o d? pra ignorar a quest?o racial do Brasil, e, se na hora de agir com preconceito n?o adotamos a segrega??o, n?o tivemos coragem para poder dizer um "n?o" escancarado a eles, que a gente possa usar a lei agora para fazer com eles tenham o direito de exercer a sua cidadania.
Eu sou uma pessoa que d? muita entrevista para TV. E sempre que as pessoas me avisam que est?o chegando na minha casa, eu j? sei bem como ? que v?o ser as apar?ncias. Quem aparece em frente ?s c?mera ? sempre uma loirinha gostosa, toda bonitona e que tamb?m tem mania de achar que ? estrela.
Ela j? chega batendo na minha barriga, e nunca diz "prazer em conhec?-lo", porque os famosos n?o se apresentam. Essa ? outra coisa da cultura brasileira. Eu nunca fui entrevistando por uma negra. Sei que elas existem na TV, mas sinceramente tamb?m vou escrachar dizendo que contratam elas s? para aparecer, fazer bonito, diferente, porque no fundo queriam uma loirinha gostosa.
Mas as pessoas que carregam os equipamentos pesados, que d?o a luz para que a loirinha possa aparecer bonita em frente as c?meras, s?o sempre pardas. S?o sempre pessoas que com certeza, tiveram menos oportunidade de estudar e que por esse emotivo, est?o ali fazendo for?a.
N?o d? pra viver assim. Com tantas coisas enraizadas na nossa cultura sem fazer nada. Acho o dia da consci?ncia negra algo de extrema import?ncia, e tomara mesmo que as pessoa consigam refletir em como essa essa desigualdade racial acaba com tudo de bom que tem no nosso pa?s.
Como eu falo de carnaval n?o poderia deixar de dizer. O que ? que a Luma de Oliveira faz na frente de uma bateria de uma escola de samba? Faz nada, porque n?o samba nada e n?o tem nada a ver com a nossa cultura.
Apesar de que n?o posso deixar de dizer que ela ? uma coisa que enche os meus olhos e que at? me anima a ver televis?o. Mas n?o faz parte da nossa cultura, n?o pode ocupar o lugar de mulatas maravilhosas. Se elas podem ocupar, as negrinhas tamb?m podem "roubar" o lugar da loira no banco da universidade. ? muito mais produtivo, faz muito mais sentido.
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