mat?ria em audio

Ronaldo Correia Ele deixou os estere?tipos da paralisia cerebral para tr?s e ? reconhecido pela cria??o de um site constru?do com os dedos dos p?s

Ronaldo Correia
Autor do site Dedo dos P?s
que possui paralisia cerebral
fevereiro/2007

Nasci num hospital t?o prec?rio, em 1964, que o parto da minha m?e foi feito por um psiquiatra e, como resultado de um erro m?dico e da inexperi?ncia dos meus pais, me faltou oxig?nio na hora do nascimento e fiquei com uma les?o cerebral, o que s? perceberam ap?s voltarem a Fortaleza, quando foram alertados por uma cunhada da minha m?e, que notou que meu desenvolvimento motor estava aqu?m do normal.

Devido a essa les?o me falta coordena??o motora para andar, comer, falar, etc. Sem ajuda, embora seja mental e psicologicamente normal, fato que a maioria das pessoas tem dificuldade de compreender ? em geral, o m?nimo que imaginam ? que tenho algum problema de percep??o ou uma ingenuidade elefantina.

Por n?o poder andar sozinho, em casa me locomovo engatinhando, ?s vezes com os joelhos e m?os feridos e/ou doloridos; n?o consigo levar um garfo de comida ? boca, preciso que algu?m me alimente e at? minha degluti??o ? complicada; sentar no vaso sanit?rio por minha conta ? me arriscar a levar uma queda e morrer de traumatismo craniano.

Mas infelizmente a paralisia cerebral ? uma defici?ncia indisfar??vel e, quando entro em qualquer lugar p?blico, os olhares, o preconceito de ser um d?bil mental, um monstrinho ou um ET e a discrimina??o s?o imediatos.

Minha paralisia cerebral foi diagnosticada aos seis meses de idade e o primeiro neurologista a quem meus pais me levaram disse que viveria como um vegetal, deitado numa cama, n?o recomendou tratamento algum e os aconselhou a cuidarem dos filhos que viriam depois.

Obviamente, meus pais entraram em desespero at? que uma tia minha os orientou a procurar outro m?dico, que falou que as coisas n?o eram t?o determinadas assim, havia recursos que poderiam melhorar minha condi??o e que Recife oferecia mais condi?es de tratamento do que Fortaleza ? meus pais s?o cearenses e acabaram vindo mesmo para c?, porque meu pai era militar e foi o mais pr?ximo do Cear? que conseguiu ficar.

Quando entrei na primeira cl?nica de reabilita??o, uma psic?loga me aplicou testes de intelig?ncia, obtendo resultados acima da m?dia e, sem acreditar que uma crian?a que n?o podia explorar o mundo ? volta pudesse alcan?ar tal desempenho, fez testes destinados a crian?as maiores, com resultados semelhantes. Essa cl?nica contava com a melhor especialista em Educa??o Especial do Recife, mas esta n?o conseguiu muita coisa comigo porque decidiu trabalhar minha coordena??o motora, j? que pensava que, se n?o pudesse escrever, eu n?o poderia ser alfabetizado.

foto de Ronaldo Correia Ainda assim, ela orientou meus pais a afixarem cartazes grandes, com letras de f?rma, vermelhas, na cama, geladeira, fog?o, etc, com os nomes desses objetos. Isso no contexto de um extenuante esfor?o de estimula??o precoce e fisioter?pico feito em casa, que freq?entemente levava minha m?e ? beira da estafa; de outro lado, meu pai sempre procurou criar dispositivos para corrigir minha postura corporal, facilitar minha comunica??o e me tornar menos dependente.

No fim da d?cada de 60, me transferi para outra cl?nica criada por um grupo de profissionais que trouxeram novas t?cnicas de tratamento para o Recife e uma pedagoga dessa cl?nica conseguiu me alfabetizar em tr?s meses, inclusive gra?as ao grande esfor?o que minha m?e fez nesse sentido. Isso foi decisivo, n?o sei como seria minha vida se n?o tivesse encontrado essa pedagoga naquela ?poca, pois mesmo hoje tomo conhecimento de pessoas com paralisia cerebral com problemas de fala que s?o tomados como deficientes mentais devido ? falta de meios de express?o e comunica??o, e quase todos os que disponho s?o baseados na alfabetiza??o.

Essa pedagoga diz que se preocupou com o fato de eu estar s? absorvendo conhecimento sem poder express?-lo e teve a id?ia de pedir que meu pai fizesse letras de madeira, de uns dez cent?metros de tamanho, de forma a me permitir construir frases numa superf?cie plana ? geralmente o ch?o ?, o que foi o primeiro meio de comunica??o mais elaborado que ganhei.

Estudei nessa cl?nica mais ou menos at? a quarta s?rie. Em meados dos anos 70, essa cl?nica mudou de dono, deteriorou-se, sa? de l? e essa pedagoga tentou me colocar em muitos col?gios da cidade, mas nenhum me aceitou ? na ?poca, n?o havia qualquer legisla??o contra discrimina??o. Meu pai pagou uma professora particular para mim durante dois anos, at? que pai ficou sem recursos para isso ? quando a situa??o financeira dele melhorou, n?o tivemos est?mulo para retomar meus estudos.

Devido ? impossibilidade de falar, me comunicar sempre foi muito dif?cil, o que me causa in?meros transtornos e alimenta o preconceito de que quem tem paralisia cerebral ? necessariamente deficiente mental. Uma forma de me comunicar era algu?m soletrar o alfabeto para eu formar palavras letra por letra.

Em meados da d?cada de 70, li numa revista uma reportagem sobre uma pessoa com defici?ncia que usava uma m?quina de escrever el?trica datilografando com os dedos dos p?s, justamente a parte do corpo cujos movimentos mais controlo, e passei anos querendo uma m?quina dessas at? que, em 1980, um tio me deu uma casa em Fortaleza cujo aluguel permitiu compr?-la e me corresponder com outras pessoas.

Nada disso me possibilitava conversar at? que, em 1988, por acaso assisti a um filme sobre uma mo?a com paralisia cerebral, ?Gaby: uma Hist?ria Verdadeira?, que usava uma prancha de madeira com letras e n?meros para se comunicar, os quais apontava com os p?s, id?ia que copiei imediatamente ? foi um expediente simples, mas melhorou demais minha comunica??o.

Em 1993, comecei uma psicoterapia devido a uma situa??o familiar dif?cil, o que me deu for?as para tentar me tornar uma pessoa produtiva. Logo se tornou evidente que n?o poderia trabalhar sem ter um computador, o que era um sonho que acalentava h? muito tempo tanto por gostar de tecnologia e ci?ncia ? e, portanto, estar acompanhando atentamente a revolu??o que a inform?tica estava causando ? quanto por saber que iria melhorar minha vida em muitos aspectos.

Como nem eu nem minha fam?lia t?nhamos recursos para comprar um computador, tratei de arranjar um jeito de ganh?-lo e, ap?s in?meras tentativas frustradas, uma congrega??o religiosa me doou o dinheiro necess?rio para adquirir um. Em seguida, um amigo que me foi apresentado por aquela pedagoga e que era diretor da Empresa de Processamento da Prefeitura do Recife abriu, nesta, uma conta de acesso ? internet.

foto de Ronaldo Correia usando o computador Quando o computador chegou, sequer sabia entrar no Windows e tive de aprender tudo na base da tentativa e erro e consultando amigos, sobretudo por telefone ou e-mail. A posi??o em que utilizo o computador ? sentado na cama, fixando o corpo com os bra?os ? que ficam voltados para tr?s ?, usando um dos p?s.

Nessa posi??o, tinha de fazer malabarismo quando precisava dar comandos que envolviam duas ou mais teclas ? tinha de me apoiar nos calcanhares para deixar os dedos dos p?s livres para segurar duas ou mais teclas simultaneamente ? e raramente acertava para usar o mouse com o p? e, devido ? falta de coordena??o motora, era imposs?vel com a m?o.

Tais problemas foram resolvidos quando conheci, por e-mail, um estudante de inform?tica, que encontrou um programa que possibilitava a utiliza??o das teclas de comando apenas com toques e simulava o mouse com a parte num?rica do teclado ? posteriormente, esse programa tornou-se parte das Op?es de Acessibilidade do Windows.

No fim de 1996, a empresa desse estudante de inform?tica come?ou a oferecer cursos virtuais pela Internet e o primeiro foi sobre HTML, do qual participei. Com esse conhecimento, publiquei meu site, o Dedo dos P?s, em janeiro do ano seguinte, sem esperar muita repercuss?o.

Por?m, tal site foi o segundo que foi feito por uma pessoa com defici?ncia no Brasil, o que chamou a aten??o da imprensa local e nacional. Al?m do mais, apesar de a Internet ter gente de todo tipo, como nazistas, racistas, etc., at? agora ningu?m que leu este site ou uma mensagem que escrevi duvidou da minha capacidade mental, ao contr?rio do que acontece noutros espa?os.

E ele me trouxe muitos amigos e at? namoradas, embora s? haja tido contato pessoal e sexual com cinco delas e s? os dois ?ltimos desses namoros ? que foram bons para mim, o que me deixa desolado, infelizmente ou por sorte a Internet ? o ?nico espa?o no qual desperto o interesse do sexo oposto; de qualquer forma, gosto de brincar que este site ? t?o bom que seduz mulheres!


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