Cultura hip hop ajuda a romper com os preconceitos Mais do que um ritmo, o hip hop ? uma cultura de agrega??o tendo o coletivo como principal foco para mudar uma comunidade atrav?s da arte


Marinella Souza
*Colabora??o
27/03/2008

Quebrar preconceitos, reduzir os efeitos das desigualdades sociais, tentar acabar com o racismo, mudar uma comunidade atrav?s da arte s?o os objetivos da cultura hip hop. Isso mesmo, a cultura hip hop vai al?m de um simples estilo musical, trata-se de uma cultura inclusive, voltada para o coletivo, que tem a arte como forma de express?o. M?sica, dan?a e artes pl?sticas s?o parte dos elementos dessa cultura.

Em Juiz de Fora, no alto do bairro Santa C?ndida, h? mais de 10 anos essa cultura vem mudando o pensamento das pessoas. Sem recursos, mas com muita boa vontade e senso cr?tico, Adenilde Petrina Bispo (foto abaixo), promove encontros peri?dicos a fim de trabalhar assuntos de interesse de sua comunidade.

Adenilde sempre trabalhou em prol do outro e viu no hip hop uma nova perspectiva de levar para frente sua ideologia. "O hip hop ? um caminho de eu levar para eu conseguir atingir meu objetivo de vida que ? o fim das desigualdades, do racismo e do preconceito de qualquer esp?cie", diz. Segundo Adenilde, o hip hop ? uma ferramenta de transforma??o social e se baseia em cinco elementos: break (dan?a), grafite (artes pl?sticas), MC (respons?vel por apresentar a cultura para a comunidade), DJ (respons?vel por pensar as bases da cultura), rap (poesia) e a informa??o, incrementada recentemente.

foto de Adenilde "N?o adianta trabalhar os quatro elementos sem informa??o. Temos que estudar, conhecer a nossa hist?ria para poder manter os elementos unidos e enriquecer a nossa cultura. Sem estudo nada d? certo", explica. Pensando nisso, Adenilde faz reuni?es peri?dicas com os integrantes para discutir temas como racismo, preconceito, desigualdades, oposi??o entre centro e periferia, homossexualismo etc. Isso acontece desde os tempos da extinta r?dio comunit?ria Mega FM.

Com o fim da r?dio, em 2003, algumas pessoas j? estavam encaminhadas, dando tratamento adequado para seus talentos e aptid?es naturais, da? criaram o grupo Armadilhas do Gueto, onde continuam discutindo esses temas de relev?ncia para a comunidade visando uma mudan?a de consci?ncia. A proposta do grupo ? convencer os jovens a trocarem a viol?ncia e as drogas pela cultura e a arte do hip hop.

Os resultados t?m sido positivos. Segundo Adenilde, h? relatos de redu??o da viol?ncia contra homossexuais e do consumo de drogas. "Muitos de nossos jovens largaram as drogas para investirem no hip hop: tem grafiteiro dando oficina, outro menino ensina break em uma companhia de dan?a que ele mesmo criou...".

Posse

Adenilde conta que, ainda na ?poca da r?dio, pessoas que praticavam os cinco elementos da cultura hip hop formaram um grupo denominado Posse Vision?rio Ant?nio Conselheiro que cumpriam o papel de difundir a cultura negra dentro da comunidade, mas diferen?as ideol?gicas levaram ? segrega??o do grupo. "Dentro do mesmo grupo havia muitas diferen?as que tornaram imposs?vel que continu?ssemos unidos".

foto de grafite

Assim nasceram duas novas posses com ideologias e posturas completamente distintas. Adenilde, ficou do lado dos que formaram a Posse Zumbi dos Palmares (PZP), que defende o hip hop real, ou seja, segue a filosofia dos quilombos que prega a uni?o de todos para uma sociedade mais justa e igualit?ria. Do outro lado, estava a Posse JF Crew, defensora de um hip hop mais underground, misturado com MPB e outras informa?es musical. Adenilde v? esse grupo como mais voltado para o centro do que para a periferia de onde vieram.

Com o tempo, a engajada Adenilde acabou saindo da PZP. Mais uma vez, por quest?es ideol?gicas. "Algumas lideran?as da PZP perderam o objetivo de solidariedade e passaram a assumir uma cultura mais individualista e isso n?o corresponde ao que acredito, por isso sa?". De l? para c?, ela segue com a reuni?o do Armadilhas do Gueto e dando apoio aos meninos que querem investir e aprender mais sobre o hip hop.

Resultados

foto de Michel Envolvido com o hip hop desde os tempos em que morava na capital paulista Michel Aparecido (foto ao lado) conheceu um novo hip hop quando chegou no Santa C?ndida. "O que acontece l? ? que ou o cara ? grafiteiro ou ? DJ, ou ? rapper... n?o tem essa mistura que temos aqui. Aqui trabalhamos os cinco elementos juntos, isso faz a diferen?a no resultado final", compara.

Michel estudou, aprendeu e hoje passa sua experi?ncia para os companheiros. Com seu aux?lio, Felipe e mais dois amigos criaram um grupo de rap que se apresenta em festas na comunidade. Michel ensinou para os meninos o que era o rap, mudando a vis?o que tinham. "Eles achavam que o rap era s? pegar o microfone e sair cantando para ganhar dinheiro e conquistar a mulherada, eu mostrei para eles que n?o ? bem assim, o rap ? muito mais que isso", conta.

Hoje os meninos do Manos Perif?ricos j? sabem compor letras, produzir uma base moral, t?m presen?a de palco, mas Michel acha que ainda falta informa??o. "Eles t?m que estudar mais sobre o rap e sobre tudo. Tem que estudar muito para fazer um rap de qualidade", acredita.

foto de Xux? Al?m desse incentivo ? arte, toda a cultura hip hop implantada no bairro atrav?s da r?dio Mega e suas dissid?ncias contribuiu para que o bairro Santa C?ndida mudasse a sua vis?o do mundo. O homossexual Xux? (foto ao lado) relembra que, depois que participou da r?dio, sua vida mudou. "Depois do programa as pessoas passaram a me respeitar mais. Hoja canto onde tiver que cantar", diz.

Para Xux?, al?m do fim do preconceito, o hip hop acrescentou muito mais informa??o, conhecimento e cultura para sua vida. Ele acredita que ainda h? muito preconceito das pessoas em rela??o ao estilo, mas isso acontece por falta de informa??o. "As pessoas confundem hip hop com funk, mas s?o coisas muito diferentes, quando elas conhecem a cultura, acabam gostando".

Apesar de se orgulhar da causa que defende, Adenilde acredita que ? preciso que o movimento se organize mais para ter voz na sociedade. "Falta estudo, conhecimento, precisamos conhecer bem o que estamos falando para podermos enfrentar os obst?culos. Se criarmos espa?os dentro da comunidade, sobreviveremos mais tempo".

Questionados sobre levar ou n?o o movimento hip hop para o centro da cidade, Adenilde e seus meninos s?o categ?ricos: "por enquanto, ? a periferia quem precisa de transforma??o. Levar para o centro ? um risco de se perder a identidade, que ? o alimento da comunidade. S? vamos descer quando estivermos suficientemente fortes e organizados".

A r?dio Mega

A r?dio Mega FM nasceu em 1997, da iniciativa do irm?o de Adenilde, o DJ Non?. A id?ia era dar espa?o para a periferia mostrar sua cultura, sua produ??o musical. L? se reuniam todos os exclu?dos da periferia: negros, homossexuais, mulheres etc. para divulgar sua ideologia e discutir suas propostas de mudan?a.

Em 2003 a r?dio foi fechada, permanecendo como pirata at? meados de 2005. Lutaram pela concess?o, mas a luta na justi?a ? cara e Adenilde n?o tem recursos para bancar advogado. Atualmente, as concess?es das r?dios comunit?ria em Juiz de Fora est?o nas m?os de pol?ticos.

foto de integrantes do grupo 
Armadilhas do Gueto A r?dio teve import?ncia fundamental para o fim do preconceito contra homossexuais na comunidade. O diretor do Movimento Gay Mineiro (MGM) em Juiz de Fora, Marcos Trajano, acredita que a r?dio ? uma grande ferramenta de transforma??o. "Um dos pilares do MGM ? trabalhar a comunica??o e a educa??o, s? assim mudamos paradigmas".

A proposta do programa do MGM na r?dio era promover um debate a fim de que a comunidade desenvolvesse senso cr?tico e entendesse melhor o universo homossexual. Trajano conta que o programa surtiu o efeito desejado. "Temos relatos de que diminuiu o ?ndice de viol?ncia contra homossexuais no bairro. Foi uma grande vit?ria"

Trajano e Adenilde lamentam que a r?dio n?o exista mais. "O que me choca ? que as pessoas ainda n?o perceberam a for?a revolucion?ria do hip hop nem a capacidade de transforma??o que ele tem", diz Adenilde. Para Trajano, o mais triste ? a falta de interesse das autoridades. "Os dirigentes dos grandes ve?culos n?o t?m interesse em criar uma sociedade mais inclusive", lamenta.

*Marinella Souza ? estudante de Comunica??o Social na UFJF


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