Apenas 45 pessoas com deficiência fazem faculdade em JFNa UFJF, o número é de apenas oito indivíduos. Motivo apontado é dificuldade na inclusão dessas pessoas nos níveis fundamental e médio

Clecius Campos
Repórter
12/9/2009

Um levantamento sobre o número de pessoas com deficiência que fazem faculdade em Juiz de Fora mostra uma situação alarmante. Há apenas 45 pessoas nessa situação matriculadas nas 11 instituições de ensino superior da cidade. Estima-se que existam em Juiz de Fora cerca de 55 mil indivíduos com deficiência.

De acordo com o responsável pela pesquisa, o educador físico Emerson Rodrigues Duarte, o principal motivo para a baixa presença nas universidades são as dificuldades no processo de inclusão dessas pessoas nos níveis fundamental e médio. "Embora hoje as escolas estejam mais bem preparadas para receber e educar esses alunos, isso ainda não reflete na educação superior, já que os estudantes passaram por esses estágios há cerca de 15 anos, quando a situação era bem diferente."

Contrariando o que informa a pesquisa, a professora de história e jornalista Rosani Martins, com deficiência visual desde os 16 anos, causada por glaucoma, diz ter passado regularmente pelas séries dos níveis fundamental e médio sem muita dificuldade. "Comecei a estudar aos 19 anos, em classes especiais, e acabei aprendendo o braile muito rápido. Quando cheguei à terceira série do fundamental, fui transferida para a turma dos alunos normais. Então eu já tinha 21 anos e estudava com os meninos de nove, que brigavam para ver quem ia ditar o quadro para mim e quem ia me ajudar a descer para a cantina."

Ao longo da trajetória até sua primeira experiência no ensino superior, Rosani acredita que contou com a sorte e a ajuda de muitos. "Claro que convivia também com aqueles que duvidavam das minhas capacidades e até com os que atrapalhavam. Mas as dúvidas só serviram como incentivo para mostrar o contrário. Os entraves não me impediram de nada."

Vestibular também dificulta ingresso

Foto de pessoa fazendo sinal em LibrasOutro fator apontado por Duarte, seria a dificuldade no ato do vestibular. Segundo o estudioso, apesar de as instituições oferecerem a possibilidade do candidato manifestar suas limitações e solicitar atendimento diferenciado, as ações ainda não são adequadas de forma ideal. "O próprio ato da inscrição pode ser uma dificuldade, já que algumas instituições abrem as matrículas exclusivamente pela internet. Imagine um deficiente visual sem aparato tecnológico adequado que só tem a alternativa de inscrição online."

Além disso, o acesso às provas também é problemático. Segundo Rosani, embora a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde estudou, ofereça a prova em braile, o tempo para a realização é o mesmo para todos os candidatos. "A prova de matemática, por exemplo, é muito demorada, porque nós temos que fazer as resoluções em braile e ditar tudo para que o fiscal repasse, pois a banca pode entender que as contas foram feitas de cabeça. Na época em que fui aprovada no vestibular para Comunicação Social, fiz as provas de matemática e química no mesmo dia. Saí do exame exausta."

Ela acredita que deve ser oferecida uma gama ampla de possibilidades para os deficientes, a fim de que todos possam ser contemplados em suas dificuldades. "Numa universidade em Pelotas (RS), por exemplo, os cegos podem fazer provas no computador. O deficiente mesmo opera a máquina e imprime os resultados. Isso poderia acelerar muito a realização dos exames para aqueles que podem usar essa tecnologia."

O conteúdo de algumas disciplinas também é difícil. Rosani afirma que as provas de física, por exemplo, trazem questões muito visuais e por isso complicadas de serem resolvidas. "Muitas delas são 'Desenhe uma força centrípeta' ou 'Faça um gráfico tal'. Por mais esforço que eu faça e imaginação que o fiscal tenha, é complicado traduzir em palavras o que está na minha mente para ser desenhado. Esse foi um dos motivos porque eu zerei a prova de física aberta no meu primeiro vestibular para jornalismo."

Rosani apresentou um projeto para reformulação das questões dessa disciplina à Comissão Permanente de Vestibular, explicando as limitações dos deficientes visuais, mas teve sua solicitação negada. "Alegaram que a prova precisava ser igual para todos. Mas as pessoas não são iguais", lamenta. As experiências de Rosani podem ajudar a explicar porque na UFJF há apenas oito estudantes com deficiências, sendo que um terço dos cursos em que estão matriculados são da área de humanidades.

Dificuldades continuam no ensino superior

Foto de cadeiranteOs poucos estudantes que chegam a ingressar no ensino superior seguem enfrentando dificuldades de adequação. De acordo com Duarte, as instituições ainda não contam com metodologias adequadas para todos. Ele cita a necessidade de intérpretes de libras e material didático específico para consulta nas bibliotecas. "Além disso, muitos professores não estão prontos para receber alunos com deficiência e alguns até apontam incompatibilidade dos cursos com certas limitações."

Rosani lembra que, ao entrar no curso de História em 1995, teve grande dificuldade de adaptação. Ela precisava de alguém para ler os livros ou traduzi-los para o braile, já que o projeto Livro Falado ainda não estava em vigor. Além disso, não tinha habilidade com os computadores e tinha que ditar para que outra pessoa digitasse todos os trabalhos a serem entregues durante todo o curso. "Eram resumos, resenhas e análises que me tomavam muito tempo e dispendiam muito esforço."

Já em 2004, quando ingressou na faculdade de Comunicação, a situação era um pouco melhor. "Eu já tinha uma experiência e já não estava dançando de acordo com aquela música do Legião Urbana de que era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém. Os professores já conheciam minha trajetória e não duvidavam da minha condição. Aos poucos, foram apresentando formas diferentes de me avaliar, como, por exemplo, nas aulas de cinema, quando eu não podia analisar a cenografia. Os alunos também me respeitaram muito, por conta da experiência. Além disso, eu já havia aprendido a informática que me ajudou demais. Eu mesma digitei toda a minha monografia."

Sobre dificuldades estruturais, Duarte afirma que as instituições particulares estão "bem à frente no processo de melhoria de acessibilidade, dispondo, inclusive, de elevadores e acessos favoráveis a todo mundo." Ele lembra que a UFJF passa por obras para oferecer tais benefícios.

Para Rosani, só um país estruturado é capaz de receber e manter alunos em condições especiais no ensino superior. Ela acredita que a mesma atenção que hoje recebem as séries de base, no que diz respeito à adaptação, deveria ser direcionada às faculdades. "São problemas mínimos e tão simples de serem resolvidos, que às vezes envolvem apenas a instalação de programas de acessibilidade ou de caixas de som no computador."

Os textos são revisados por Madalena Fernandes