Coração alvinegro

Por

Cora??o alvinegro Mesmo nascidos e convivendo em tempo de poucas conquistas, torcedores do Tupi se multiplicam na nova gera??o de apaixonados por futebol

Ricardo Corr?a
Rep?rter
04/03/2006

Houve um tempo em que Juiz de Fora era dividida em tr?s cores. A ?poca: os prim?rdios do s?culo XX. Foi neste tempo, mais precisamente a partir de 1916, quando foi fundado o Sport Club Juiz de Fora, que duelos emocionantes foram travados nos gramados da cidade. O Verd?o, ca?ula entre os grandes de JF, uniu-se aos j? existentes Tupynamb?s Futebol Clube, o mais velho, e Tupi Football Club, ambos fundados em 1912. Mas ? principalmente a partir do surgimento do Sport que as batalhas ficaram mais quentes e agitaram mais os torcedores. E por isso a cidade se dividiu em tr?s: a parte verde, a parte vermelha e a parte preta e branca. Entre os vermelhos, simpatizantes do Baeta, a hist?ria ? que era essa a torcida mais animada, a mais fan?tica e a maior da cidade. Os torcedores do Verd?o se gabavam de ter ilustres em suas fileiras, como o ex-presidente Itamar Franco, que al?m de torcedor, jogou basquete pelo Periqituo da Avenida.

Mas e os torcedores do time preto e branco? Precisaram se passar alguns anos at? que surgisse a principal caracter?stica desta parte dos apaixonados pelo futebol em Juiz de Fora. Os homens de cora??o alvinegro puderam ver seu time ganhar mais t?tulos que os rivais e continuar vendo o futebol em campo durante todo o s?culo. Exatamente por isso, essa ? hoje a torcida da nova gera??o. N?o que tenham sumido aqueles antigos e fi?is torcedores dos outros clubes. N?o. Eles ainda existem, mas precisam passar a maior parte de seu tempo relembrando os bons tempos, quando iam aos est?dios ver suas equipes.

Hoje, quando nasce a paix?o pelo futebol no cora??o de um juizforano, a grande chance ? a de que eles adquiram o sangue alvinegro. Claro que os times cariocas ? que s?o donos das grandes torcidas na cidade, mas n?o s?o poucos os que se dividem entre um grande do Rio e o Tupi. E tamb?m n?o s?o poucos os que colocam o Tupi acima de sua outra paix?o.

As grandes gl?rias do Galo vieram de outras ?pocas. Quem nasceu depois de 1980 teve poucos motivos para se tornar Carij?. Mas quando se fala de amor por um time de futebol as coisas n?o t?m muita explica??o. N?o existe uma raz?o l?gica para que algu?m se torne rubro-negro ou tricolor. Claro que a fam?lia muitas vezes influencia, e o sentimento se transmite de gera??o em gera??o como se fosse gen?tico. Claro que as grandes alegrias, como t?tulos, podem fazer com que uma torcida aumente, ou o sofrimento de um rebaixamento possa fazer com que ela diminua. Mas em alguns casos definitivamente n?o h? explica??o. E ? assim com a nova gera??o de torcedores do Galo Carij?.

Sem nada em troca
Tales Machado Barros, 21 anos, e Ant?nio Henrique da Silva J?nior (Juninho), 18, s?o exemplos de um desses fatos inexplic?veis envolvendo torcedores de futebol. Os mais antigos diriam que as grandes alegrias oferecidas pelo Tupi foram nas d?cadas de 50, 60, 70 e 80. Depois disso, e principalmente nos ?ltimos anos, foram poucos os motivos para comemorar. Quem viu o time do Galo em 1997 dando trabalho e quase conquistando os t?tulos ainda poderia pensar em torcer pelo clube, mas o que imaginar de quem viu apenas o Galo de 2000 em diante? Apenas uma grande alegria, o t?tulo do Campeonato Mineiro do M?dulo II, e a chegada ? primeira divis?o. Uns momentos de euforia em 2002 e principalmente em 2003, quando foi Campe?o Mineiro do Interior, foram ofuscados pelo drama do rebaixamento em 2004. O Galo quase se exting?iu, tendo se aproximado do amadorismo em 2005. Mas mesmo assim, Tales e Juninho se tornaram carij?s, sem nada em troca.

Juninho passou a gostar do clube em 2001, no t?tulo de Campe?o Mineiro do M?dulo II. Depois disso, raramente falta aos jogos. Embora lembre-se do in?cio, n?o sabe explicar como tudo come?ou.

"Nem sei te explicar como foi. Eu me lembro que dois vizinhos aqui me chamaram para ir na final contra o Am?rica de Alfenas em 2001, mas antes disso eu j? sentia um amor pelo clube, porque eu sempre acompanhava a televis?o quando falava do Tupi. Coisa de fam?lia n?o foi, porque aqui em casa ningu?m gosta do Tupi. Eles olham o Tupi como um time que n?o tem express?o", contou Juninho, que divide a paix?o pelo Galo com a por outro alvinegro, o Botafogo.

"Meu cora??o ? dividido pelos dois clubes. Eu amo os dois. E n?o ? porque o Galo ? alvinegro tamb?m n?o. Se fosse rubro-negro eu ia torcer do mesmo jeito. Eu tor?o tamb?m porque ? o time que representa Juiz de Fora, a cidade pela qual eu tenho muito amor", explica ele, para quem a paix?o, se tem limites, pelo menos ultrapassa quil?metros.

"Vira e mexe quando n?o vou ao est?dio de carro eu caminho ? p? de Santa Luzia, onde eu moro, at? o Est?dio Municipal. Meus amigos acham que eu sou meio louco de ir parar no est?dio s? para ver jogo do Tupi, mas fazer o que n?? Eu tenho uma paix?o enorme pelo time" conta.

Mesmo em uma ?poca ruim para o futebol da cidade, Juninho lembra das alegrias que o clube de cora??o j? lhe deu. E v?o muito al?m do t?tulo de 2001.

"A minha maior alegria mesmo ? ver o Tupi batendo de frente contra times grandes como fez com o Atl?tico, o Cruzeiro e o Flamengo. Eu fico impressionado de ver como o Tupi joga de igual para igual contra times de express?o", conta, sem esquecer tamb?m que o Galo j? lhe deu tristezas.

"Quando o clube foi rebaixado, em 2004, at? hoje para mim ? dif?cil de aceitar, mas minha maior tristeza ? saber que uma cidade com cerca de 500 mil habitantes n?o d? proje??o a um clube de futebol que leva o nome dela para onde vai", conta Juninho, que quer at? montar uma torcida organizada, mas ainda busca apoios para isso.

Um dos lugares em que Juninho pode conseguir esse apoio ? no site de relacionamentos Orkut. L?, mais de mil carij?s apaixonados trocam mensagens sobre o clube, comentam as not?cias e falam sobre sua paix?o. Falam de loucuras, lembram hist?rias e avaliam cada passo da nova fase do clube. V?rios j? se mostraram dispostos a montar uma torcida. N?o ? incomum. V?rias pessoas j? montaram, com os nomes mais sugestivos poss?veis. Da mais famosa, a "Tupirados", ? mais recente, "Terror Jovem", em jogo do Tupi sempre est? l? pelo menos uma faixa. Seja ela da "Tupimus" ou da bem-humorada "Galo do Litoral", forma de implicar com os torcedores da capital mineira, onde o Atl?tico tamb?m ? Galo. No futebol mineiro, o Tupi ? do litoral mesmo.

Paix?o documentada
Um dos freq?entadores dessa comunidade e membro dos mais ativos ? Tales Machado Barros. Ele come?ou a torcer e acompanhar o Tupi em 2000, a convite de um amigo. Viu a partida em que o Tupi venceu o Guarani de Divin?polis por 1 a 0. Da? para frente n?o s? passou a ir em todos os jogos, como anotou tudo para n?o esquecer.

"De 2001 at? hoje eu s? faltei a dois jogos oficiais. Foram 62 jogos desde o jogo do Mineiro de 2000 e eu fui em 60. Eu anoto isso em um arquivo de computador", contou ele, que n?o encontra raz?es para deixar de ir.

"Eu mato aula, fa?o de tudo mas vou nos jogos. Eu n?o fui nesses dois porque em um deles eu estava viajando, no Mineiro de 2001 e no outro, na S?rie C, em 2001, eu n?o fui porque n?o queria mesmo. O Tupi estava terr?vel nesse campeonato", diz. Coisas de torcedor. A raiva ou ?dio de um dia j? passou no outro, mas a paix?o ? eterna.

Em tantos jogos, foi dif?cil achar um que tenha sido mais emocionante. Tales cita primeiro o do acesso ? primeira divis?o em 2001, mas depois lembra do jogo contra o Flamengo, na Copa do Brasil de 2004. O Galo perdeu por 3 a 2 mas jogou bem, impressionando o Brasil inteiro que acompanhava o jogo ao vivo na televis?o.

As tristezas tamb?m vieram e foram dif?ceis de esquecer. O rebaixamento de 2004 e a situa??o amadora do time em 2005: o que mais incomodou o carij? Tales, que tamb?m ? palmeirense, mas coloca o Tupi em primeiro lugar.

"O sentimento que eu tenho pelo Tupi ? uma coisa sem no??o. Quando o Palmeiras caiu para a S?rie B eu n?o me entristeci nem um ter?o do que quando foi o rebaixamento do Galo em 2004. ? diferente porque o Tupi ? daqui. Eu vou aos jogos, acompanho as not?cias lado a lado".

Esperan?a alvinegra
No entanto, a esperan?a, tanto dele quanto de Juninho, n?o morre. Para eles, n?o ? verde, ? alvinegra. A situa??o complicada vivida nos ?ltimos anos deixa no ar uma s?rie de incertezas, mas nenhum dos dois desanima.

"Eu fico muito triste de ver a situa??o em que o time se encontra hoje, mas para mim dias melhores vir?o Eu tenho um grande sonho que ? ver o Tupi dando trabalho na primeira divis?o do Mineiro e quem sabe um dia chegar ? elite do futebol Brasileiro", diz Juninho, ainda antes de ver o time come?ar bem o Campeonato Mineiro do M?dulo II.

"Otimismo eu sempre tenho. As pessoas at? brincam comigo de t?o otimista que eu sou. Se fosse ano passado eu ia dizer que estava no fim, mas com essa nova dire??o eu acho que o Tupi pelo menos consegue subir ainda esse ano, ou no ano que vem. N?o digo que vai conseguir um patroc?nio e um time t?o forte quanto o de 2003, mas se tudo correr bem eu acho que ele se segura no M?dulo I", completa ele.

Assim como ele e os outros mais de mil membros da comunidade do Tupi, muitos esperam que tempos melhores venham. Como eles, Vitor Lima Gualberto, de apenas 13 anos, e que herdou a paix?o do pai, espera um futuro melhor para o Galo, quando poder? ter as alegrias que outros de outras ?pocas puderam ter. E ? exatamenente por isso que ele, bem antes do campeonato come?ar, n?o deixava de perder alguns minutos de cada um de seus dias atr?s de not?cias do Tupi, coment?-las no forum em que se discute a situa??o do Galo, e reunir v?rias fotos catalogadas na internet, assim como o hino do clube em v?rias vers?es. Assim como Vitor, Juninho e Tales, milhares de juizforanos aguardaram, n?o o primeiro jogo em casa neste Campeonato Mineiro do M?dulo II, quando reencontraram o clube do cora??o em sua segunda casa, o Est?dio Municipal, mas o final. No tempo em que, esperam, poder?o dizer que o pesadelo acabou e que o Galo est? de volta ? elite do futebol mineiro. Afinal, o cora??o e a esperan?a s?o alvinegros.