Confidências mineiras
Em São Tomé, Minas Gerais, depois que saltamos do trem, é preciso tocar um gongo. Toca-se um gongo em muitos outros lugares - no Japão é ato sagrado. Mas só em São Tomé bater no gongo traz o barqueiro que vai nos levar a Galiléia, do outro lado do Rio Doce. Em outra São Tomé mineira, a das Letras, depois que a cerveja e outras drogas sobem à cabeça, alguns malucos saem dos bares para adorar a chuva. Chove em todos os lugares - em Macondo choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Mas, só em São Tomé das Letras a chuva provoca esse tipo de veneração.
Digo isso, sobre a particularidade dos gongos e das chuvas mineiras, porque há finais de campeonato em todos os estados, mas só em Minas as finais não precisam de segundo jogo, de tira-teima, de decisão por pênaltis. Nesse ponto, nós, mineiros, somos decididos.
Há três campeonatos a parada é encerrada no primeiro jogo das finais: em 2007, o Atlético abriu 4 a 0 (confronto em que o goleiro cruzeirense Fábio deu as costas para a partida); ano passado, o Cruzeiro enfiou 5 a 0 (peleja em que o boliviano Marcelo Moreno só não fez chover) e, agora, o time celeste repete o placar com direito a quatro gols de zagueiros. Espetacular!
Dirão os "idiotas da objetividade" e os que cometem "inconfidências cariocas": o campeonato das Gerais não tem graça, é "jogo de cartas marcadas" entre cruzeirenses e atleticanos. Nós, os mineiros, os perdoamos. Até porque temos boa memória. Lá, no Rio, há três campeonatos dá Botafogo X Flamengo nas finais. Aqui em Minas há, sim, chance para o interior: em 2005, o Ipatinga foi campeão e no ano seguinte o clube do Vale do Aço decidiu novamente o torneio. Coisa impensável em terras fluminenses. Nunca esqueceremos o certame de 2008, quando oficializaram a teoria de que os fracos não têm vez, marcando todas as partidas entre "grandes" e "pequenos" para Maracanã, Engenhão ou São Januário.
Mas...deixa estar. Nós, os mineiros, não costumamos olhar além das montanhas. No máximo damos uma espiada.
Assim, depois que o extraordinário jogo do Mineirão acabou, descobrimos indiretamente: flamenguistas e botafoguenses empataram (e correm o risco agora de, no próximo domingo, decidirem tudo na marca da cal); Atlético, Coritiba e J. Malucelli vão para a última rodada com chances de conquistar o campeonato paranaense; Vitória, Atlético, Fortaleza e Chapecoense estão em vantagem na Bahia, em Goiás, no Ceará e em Santa Catarina, respectivamente, e - mais importante que tudo - Ronaldo foi, mais uma vez, um fenômeno, marcando dois gols antológicos na vitória corintiana sobre o Santos.
Neste jogo da Vila Belmiro, o santista Pelé abandonou o estádio, entre tristeza e admiração pelo que Ronaldo fez com seu time. Informado do espanto do Rei do futebol, o Fenômeno foi brilhante: "É bom ter sido rei por um dia na casa eterna do rei". Vai longe esse menino. Ele parece mineiro.
Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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