Quase bastardos, quase glória
Não nos livros, nas palavras do cineasta grego Theo Angelopoulos: o século XX começou e terminou em Sarajevo. Referia-se ele ao assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, estopim para a primeira Guerra Mundial (1914), e ao conflito étnico que destroçou a então Iugoslávia (1992). Guardadas as devidas proporções – sempre – agora, por ocasião das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, as atenções estão voltadas de novo para aquela parte do planeta. Pela primeira vez na história, os seis países surgidos após a fragmentação da Iugoslávia estão disputando o qualificatório para o certame. A Sérvia já está classificada, a Eslovênia tem boas chances de seguir o mesmo caminho, a Bósnia-Herzegovina já está garantida na repescagem, o que deve ser o mesmo destino da Croácia. Só Montenegro e Macedônia fracassaram de antemão.
É um fato espetacular, pois nunca houve na história uma relação tão clara entre geopolítica e futebol – nem mesmo a existência e posterior desmembramento da União Soviética em 15 repúblicas provocou fenômeno igual. Durante todo o longo período em que estiveram unidos, a contragosto, a ferro e fogo, sob a bandeira da Iugoslávia, sérvios, croatas, bósnios, eslovenos, montenegrinos e macedônios fizeram de seus respectivos times e craques motivos de afirmação. Agora, fazem de suas seleções o mais forte fator de identidade nacional.
É um momento de glória, ou de busca dela, que deve suplantar, ao poucos, de forma gradativa, os tempos de submissão.
Até a Copa de 1990, os eslavos do sul eram quase bastardos, pois tinham uma pátria forçada, um hino e uma bandeira que não lhes diziam respeito diretamente. Colheram, como Iugoslávia, ao longo da história, até bons resultados – computados agora, para efeito de estatísticas, na conta da Sérvia.
Durante esse período, representantes da imprensa esportiva que sabem que o mundo é a bola, bem que tentaram fazer a separação. Dar a César o que é de César. Usaram estereótipos (no bom sentido da palavra) étnicos para observar que os eslovenos defendiam bem, sérvios e bósnios eram criativos no meio-de-campo e os croatas bons de ataque. Metáforas, do futebol e da vida.
Desde as eliminatórias para a Copa de 1998 esse exercício linguístico não é mais necessário. Sorteados na mesma chave, Bósnia, Croácia e Eslovênia fizeram jogos históricos, em Saravejo, Zagreb e Ljubljana. Os croatas se deram melhor e conseguiram, depois, um surpreendente terceiro lugar na fase final da competição. Jogava no time o meio-campista Prosinecki, que havia disputado a Copa de 90 pela Iugoslávia, sagrado campeão europeu no ano seguinte pelo Estrela Vermelha, de Belgrado, e que foi desde sempre, em palavras e gestos, um separatista.
Prosinecki foi, além disso tudo, um símbolo da primeira geração que deixou de ser bastarda, que ganhou uma pátria para defender com ardor. Essa situação, de quase glória, está sendo vivida agora pelo sérvio Ivanovic, o bósnio Dzeko, o esloveno Novakovic e – apesar do fracasso consumado nas eliminatórias – pelo macedônio Pandev e o montenegrino Vucinic.
Poucas sensações podem ser melhores.
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