Obediência

Nome do Colunista Raquel Marcato 25/08/2016
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Ontem, fui buscar a minha menina na escola e voltei com um “recadinho” de que a minha filha estava fazendo bagunça na aula de música. Fiquei cismada. Bagunça, desobediência, turma do barulho? Imaginei logo a  turminha do barulho, aquela que rotulamos de “hooligans”, de pouca coisa, de caso perdido, de má companhia. A minha menina?  Definitivamente não. Definitivamente não pode ser.

Perguntei a ela o que tinha acontecido e com apenas cinco anos não soube me narrar o acontecimento com riqueza de detalhes. Por alto me disse: “mamãe, estava brincando com uma amiguinha e falando um pouco alto.” (queria chamar atenção!).

Tudo bem. Não foi preciso explicar mais do que isso para que me desse conta das minhas expectativas sobre o comportamento dela, ainda no corpo de uma menina de cinco anos.

Comecei então a perceber que a esperada obediência pode nos levar a educar os filhos dentro de dois caminhos:

O primeiro é educar os filhos a obedecer com ou sem dor de barriga. A todas as regras se obedece: a todas as pessoas mais velhas, aos professores, aos familiares, a babá quando está sob seus cuidados, enfim, diante de um pedido vindo de pessoas com “discernimento” com “experiência” de vida se obedece e ponto final. É um obedecer sem questionamento, sem polêmica, sem desafio, sem troca, sem escuta. Temo que este tipo de educação está mais para colher a aprovação, e consequentemente admiração ao próximo, do  que priorizar a atitude da criança em si. No final, queremos que nossos filhos sejam amados e incluídos pelos demais, e ainda, que através da nossa educação, nós pais, possamos também colher elogios e reconhecimentos. Não queremos ficar em evidência quando as regras são, de alguma forma, “transgredidas”. É! Acho que está aí o problema! Mais uma vez estamos mais incomodados com o que vão  pensar de nós como pais que com o próprio comportamento do filho (difícil aceitarmos isso, mas acontece!).

Então, justificamos: – Ele nunca fez isso  – Em casa ele não faz isso – Ele é tão comportado e etc.

Muitas vezes, realmente nos surpreendem algumas atitudes que ainda não tínhamos presenciado. Mas por que temos a tendência de  colocar uma criança no papel do previsível todo o tempo?

A uma criança que se comporta de maneira sempre previsível não estará faltando um pouco mais de liberdade para realmente se mostrar como é?

Pensando sobre tudo isso quando recebi o “recadinho” da escola, cheguei à conclusão que não queria colocar a minha filha no papel da menina bem comportada, da menina obediente, da menina boa aluna, sem antes querer enxergar a minha própria filha.

E quando eu a olhava no parque, via uma criança de cinco anos, repleta de entusiasmo, de energia, de sim e de não.  Ela não apenas sorri, ela “rosna”; ela não apenas concorda, ela principalmente discorda.  Ela não é uma rosa artificial de canto de sala, mas uma rosa de verdade porque inevitavelmente também tem  seus espinhos.

Preciso assumir o seu todo e não querer cobrar dela apenas aplausos e chuva de confete quando  se comporta dentro da obediência esperada. Nós não precisamos disso para ter segurança da boa educação que achamos dar a ela e muito menos, precisamos disso para que ela se sinta aceita, incluída e respeitada pelos demais, sejam professores, amigos, instituições, ideologias. Todos precisam conhecer a minha filha dentro da liberdade dela de querer dialogar com a palavra obediência; assim ela vai assumindo o resultado dessa escolha.

O segundo caminho, que tento a cada dia, é o da possibilidade de educar filhos dentro do diálogo com a obediência. Acho esse caminho mais cansativo a princípio, porém infinitamente mais respeitoso, mais construtivo, mais autêntico e menos vaidoso. Querer realmente “enxergar” uma criança diante de uma atitude de desobediência é primeiramente dispor de paciência e de abertura para realmente querer conhecê-la. Se esperamos que uma criança simplesmente fique quieta, arrume, sorria, ou fale tchau porque é assim e pronto, queremos dela comportamentos automáticos, e não espontâneos. Estaremos “formatando” essa criança e não ajudando a criar uma criança dentro dela.  Assim, quando chegamos na fase adulta, seguimos tendo as mesmas atitudes porque é o que esperam de nós e não porquê, muitas vezes, pensamos assim. Deixar que um filho dialogue com a obediência não quer dizer deixá-lo fazer o que quiser a qualquer hora, não! Mas sim querer entender o motivo que o leva a ter determinado comportamento e educá-lo dentro das suas possíveis consequências.

E com as consequências ele vai aprender e entender o motivo de se comportar de uma maneira e não de outra, que ele é o responsável por suas escolhas.  A obediência vai sendo construída e não simplesmente imposta.

E em tantos outros momentos ele vai querer discordar do que esperamos dele. Ele também precisa ter o direito de poder discordar. Discordar é uma grande ferramenta que muitas vezes, nos faz exercitar o pensar e a assumir a nossa diferença. Aliás, sabemos que podemos pensar, logo discordar, logo sugerir, logo relativizar, logo recriar? Mais uma vez, nós, familiares, professores, ideologias precisamos ser menos vaidosos quando olhamos para uma criança ainda limpa de doutrinas.

Temos a sensação de que o mundo já está concluído e acabado, que tudo está dito e por assim dizer estabelecido. Ledo engano! Precisamos também da “desobediência” para sair da comodidade de um sistema cheio de homens com acúmulo de “cia”, prepotência, arrogância e menos valia para seguirmos recriando a esperança.

Não precisamos buscar muitas teorias para percebermos como é importante para nós pais, dialogarmos com a obediência. Por que aprendemos tanto com um filho? Porque ele nos faz pensar de outra maneira através das suas interessantes “transgressões” diárias se assim permitirmos.

Raquel Marcato, mãe da Marta de 5 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.

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