Ailton Alves Ailton Alves 7/12/2009

Muito antes de Pelé

Imagem de pessoa fazendo biblicetaLogo na segunda rodada — na quarta-feira, 8 de julho de 1942 — foi registrada a primeira surpresa daquela Copa que ninguém viu (simplesmente porque nunca aconteceu). Não parecia que a Espanha teria dificuldades contra o time multinacional dos Estados Unidos. Porém, por volta dos 20 minutos, um menino de 18 anos começou um espetáculo que só se repetiria 16 anos depois, na Suécia, com um brasileiro. Chamava-se Houston e era natural de Trinidad e Tobago.

Soube-se depois, muito tempo depois, que ele se juntara ao time norte-americano por acaso. Assistia ao treino sentado em seu canto, quando uma bola espirrada veio em sua direção. Ele se levantou e fez embaixadas com a pelota até se cansar, antes de devolvê-la. Moore, o zagueiro e capitão inglês da equipe, vendo aquilo, convenceu os dirigentes a levá-lo para a Argentina, nem que fosse pelo controle de bola.

Que ele tinha mais talento que isso, se soube quando o camisa 10 do time (aquela era a primeira Copa com numeração nos uniformes) pegou a bola no meio de campo, driblou cinco adversários mas chutou para fora. Foi um lance muito rápido e provocou surpresa. Nada comparado, no entanto, às jogadas seguintes. Na primeiro, Houston novamente ignorou os marcadores e deu um passe precioso para o italiano Luciano Messora, que foi à linha de fundo e cruzou. A bola veio alta e um pouco antes do ponto em que Houston estava. Ele, num salto acrobático, acertou a pelota, do modo que se convencionou chamar de bicicleta, empatando o jogo.

O Monumental de Nuñez veio abaixo. E os torcedores ainda estavam em êxtase quando um outro cruzamento, vindo da esquerda, do iugoslavo Selic, encontrou Houston na marca do pênalti. O jogador matou a bola no peito, como nunca ninguém ousara fazer, e desmontou o goleiro com um leve toque. Os aplausos só cessaram quando o árbitro deu por encerrado o primeiro tempo.

Nesse mesmo dia histórico, em que o mundo do futebol conheceu o antecessor de Pelé, o Peru, campeão sul-americano de 1939, derrotou a Noruega (2 a 1) e o Chile fez 2 a 0 na seleção de Portugal.

A terceira rodada, aquela que definiria os semifinalistas, teria três jogos muito esperados, por razões diferentes: Argentina x Suíça, Brasil x Noruega e Uruguai x Estados Unidos.

A fama do menino de Trinidad e Tobago, o assunto da semana nos cafés de Buenos Aires, e mais a rivalidade entre os vizinhos da Bacia do Prata levaram muita gente ao estádio para o jogo entre uruguaios e norte-americanos.

E nesse dia, como tem acontecido por todo o sempre, o trabalho duro venceu o talento. Gambetta colou em Houston e não deixou ele jogar (exatamente como faria, no futuro, Vogtz com Cruyff e Gentile com Zico, para ficar apenas em dois exemplos, ocorridos em copas verdadeiras). O defensor uruguaio atuou com muito rigor, mas acima de tudo com lealdade e atenção, e só falhou em um lance. O bastante para que o atacante marcasse o seu gol. Mas, já era tarde: do outro lado a bola tinha estufado as redes quatro vezes.

O jogo entre Brasil e Noruega, no dia 11 de julho, no Bombonera, foi marcado por uma certa apreensão, por razões políticas. Um pouco antes de entrarem em campo, os nórdicos ficaram sabendo que, no dia anterior, o Exército Vermelho havia atacado bases nazistas na Noruega e na Finlândia. Os jogadores não sabiam de mais detalhes (se o ataque teria matado civis, por exemplo). Abalados, preocupados e ansiosos para o jogo e a Copa acabarem, para que eles pudessem retornar à terra natal, foram presas fáceis para os brasileiros.

No confronto entre os anfitriões e os suíços, a expectativa era por outra atuação de gala do fabuloso time da Argentina. La Máquina, como era de se esperar, não teve nenhuma dificuldade para ganhar de 6 a 1.

Com os resultados, estavam definidas as semifinais.

Argentina e Uruguai fariam aquilo que se convencionou chamar de "final antecipada".

Antes desse jogo, o Brasil, jogando de camisas brancas (a amarelinha só seria adotada na década de 50) garantiu lugar na decisão ao bater a Suécia por 4 a 1, com três gols de Sílvio Pirillo.

Muito tempo depois, Pirillo prestou outro grande favor ao futebol brasileiro. Foi ele o primeiro técnico a convocar Pelé para a seleção.


Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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