Nome do Colunista Raquel Marcato 16/07/2015

Ela me perguntou quando eu vou morrer!

morteMinha filha vai completar seus cinco aninhos e na véspera fui perguntada por ela:

_ Mamãe, quando você vai morrer?

É! Esse assunto chegou entre nós! A MORTE.

A pergunta demorou um segundo para ser feita e eu levei alguns minutos olhando para ela. Na verdade, olhando para aquela oportunidade que ela me deu em poder construir com a minha filha uma verdade sobre a morte. Naqueles minutos eu me percebi sedenta para falar do acontecimento mais certo e natural na vida de um ser humano. A Morte. Aquele momento foi precioso muito mais para mim que para ela, pude remover, ainda mais, meus próprios tabus, enquanto ela encarava com sabedoria o que de natural acontece com todos nós!

Ela é a nossa única certeza desde que estamos no útero materno. A qualquer momento ela pode nos chamar e mudar a direção do caminho. Então, por que fomos criados com tanto desconcerto, silêncio diante da Morte?

Optei naquele momento por não desconversar sobre a morte. Optei por naturalizá-la.

Assim, o diálogo seguiu:

_ Não sei filha, algum dia.
_ eu vou sentir saudades mamãe.
_ eu também, amor.

O tema não pesou a conversa. Foi tão natural, tão sem controle, tão sereno que ela continuou:

_ então quando você morrer vai para a estrelinha?
_ Sim filha, a vida continua lá! Só mudamos de lugar.
_ então quando eu morrer também vou para lá?
_ isso mesmo.

Eu segurava as lágrimas não por pensar que um dia a morte iria chegar para mim ou para ela, por que pensar nisso naquele momento tão feliz? MAS, por começar a construir com minha filha este entendimento tão de direito dela. Tão transformador para nós. Tão liberto de defesas.

Penso que falar sobre a morte é de uma certa maneira ir se desapegando, homeopaticamente, dela. O proibido, o omitido, o escondido fornece uma carga de sofrimento muito maior pelo simples fato de ter nós retirado a possibilidade da adaptação. Quem fala sobre a morte vai se "adaptando" dentro dela. Começa a doer menos.

Quando meu pai faleceu ainda não havia vivenciado uma perda tão significativa em minha vida e claro, foi muito sofrido. Tudo foi sofrido e ainda dói. Porém, me sentia "serena" se é que cabe esta palavra. Chorei muito, lutei muito por ele, mas comecei a viver o luto enquanto ele ainda vivia. Sabia a partir de um momento que ele estava se despedindo. Foi muito doloroso quando abri que os olhos e a respiração dele tinha ficado cheia de silêncio. Ele já estava me olhando de cima.

Ainda venho elaborando esta perda. Mas, me conforta todos os diálogos que tivemos sobre a morte. Conforta-me ter construído com ele esta possibilidade neste último momento. O famoso "Deus sabe o que faz" foi substituído em nossas conversas pela pergunta "Tem medo da morte, pai?"

As experiências marcam muito a nossa atitude presente e futura. Ter vivido esta perda tão inesperada e tão sofrida me forneceu condições para naturalizar a morte com a minha filha. Quero agarrar esta oportunidade, quero colocar a minha bagagem nesta chance e perceber no crescimento dela o que é a morte para ela, afinal não tem que ser o mesmo que é para mim.

Precisamos muito construir verdades com os nossos filhos. Desde pequenos, dentro do entendimento de cada fase, não se deve omitir a vida como ela é. Isso fará muita diferença na personalidade emocional deles. Essa é a diferença na construção de pessoas, tem as que vivem apenas dentro da fantasia e aquelas que sabem desfrutar da fantasia mas também sabem se equilibrar fora dela.

E quando pensei que o assunto já tinha terminado:

_ mas, mamãe, quando a gente morre viramos caveira!
_ isso mesmo filha.
_ então, vamos caveira para a estrelinha?
_ não, a caveira fica dormindo e o espírito é quem vai para lá.
_ espírito?
_ é... espírito é uma outra roupa que colocamos antes de chegar na estrelinha.
_ mudamos de roupa?
_ sim!

Foi muito importante ter permitido para mim e para ela este começo de adaptação diante da morte... depois? seguimos brincando, cantando, felizes! Afinal, ainda estamos bem pertinho uma da outra.

Com gratidão e afeto.

Até a próxima.


Raquel Marcato, mãe da Marta de 4 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.

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