Um santuário chamado encanto
Um lugar onde os segredos mais deliciosos acontecem. Onde o corpo e a alma vivem e sonham ao mesmo tempo, num compasso de alegrias, prazeres, sorrisos e olhares que se entendem dizendo coisas que à boca não compete dizer.
Um lugar onde o dia vira calmaria na noite que surge e traz o descanso e afaga o coração com fantasias de outro dia que virá cheio de alegrias, renovado e abençoado.
Lugar onde as mazelas não são bem vindas, ou jamais deveriam ser. Onde todo encontro com o nosso ser deveria ser meditativo e elevado. Onde nossa respiração deveria ser observada e usufruída, fruída, fluída, sentida, vivida como alimento que nos fortalece, sacia e acalma.
Onde o encontro com o outro ser deveria ser reverenciado, apreciado e acima de tudo encantado. O lugar sagrado além do sagrado em nós. O lugar respeitado, mais respeitado que todos os outros lugares onde um casal puder frequentar. Cuidado, protegido, arejado, perfumado, florido, bem falado, desejado. Um lugar da divindade e digno de toda confiança depositada por ela no amor dos corpos dos homens e das mulheres. Dos corpos dos casais. Dos amores e de todo efeito feliz que vai irradiar ao mundo a paz.
Bendita cama e que nela jamais, para um casal que se ama, aconteça nada além de amor. Que a praticidade da vida cotidiana, que os impasses conjugais, paternais, filiais, comerciais, por favor, que tudo isso mantenha distâncias indecifráveis da cama do casal que se ama. Que todo entendimento seja buscado apenas com gestos de amor e, os desentendimentos, esses, por favor, tratados a léguas e léguas desse cantinho imaculado e projetado para um refazimento assaz.
Bendita seja a benfazeja, bandeja de calor e ardor que tem o poder de calar o desamor insistente em invadir os corações e os corpos dos homens amantes influenciados pela lança da modernidade e sua urgência solitária. Bendita seja. Livrai a todos da aridez e do vazio que sentem no peito.
Encanta, chama, atrai para o seu recanto os pobres descrentes, latentes que se fazem suficientes. Diz pra eles da paz, do remédio, da luz e disposição que sua área pode fazer alcançar. Vai, diz a essa gente que corre atrás de sua cegueira que a energia do amor faz forte e capaz. Faz seres sorridentes, competentes e ricos.
O caminho é inverso. Volta, tenta tudo outro outra vez, faz certo dessa vez.
Encanta. Canta cama.
O chão é cama para o amor urgente, amor que não espera ir para a cama. Sobre tapete ou duro piso, a gente compõe de corpo e corpo a úmida trama. E para repousar do amor, vamos à cama. Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural'
Jussara Hadadd é filósofa clínica, psicoterapeuta, especialista em sexualidade feminina, escritora, palestrante.
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