"Meu ex-namorado é gay" A descoberta nem sempre é fácil, mas as mulheres
precisam entender que não há culpados

Sílvia Zoche
Repórter
24/03/2007

 

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Um dia você consegue conquistar aquele cara em quem estava de olho, depois de muita troca de olhares e de um bate-papo rodeado de segundas intenções. As saídas entre vocês tornam-se freqüentes e, finalmente, um namoro se concretiza. Mas, como nem tudo é perfeito, os dias passam, a relação se desgasta e o namoro termina.

Cada um segue um rumo na vida, até que alguém conta uma novidade sobre seu "ex" depois de algum tempo: ele é gay. Várias perguntas podem passar por sua cabeça: "Como assim? Ele nunca deu pinta?", "Será que ele já era gay quando estava comigo?".

Quem já viveu esta situação sabe que não é fácil, como conta Ana Maria*. "Antes de ter uma experiência como essa, você não pensa numa situação dessas. É um divisor de águas", comenta, Ana, que namorou Paulo* na sua adolescência por três anos.

Eles, que já moravam em cidades diferentes, ficaram mais distantes, quando Ana Maria passou para o vestibular em uma instituição longe. O fim do namoro foi inevitável, como ela conta. A amizade se manteve, mas os contatos foram diminuindo, como costuma acontecer.

A descoberta da opção sexual de Paulo aconteceu por acaso, depois de cinco anos que haviam terminado. Em um longo bate-papo com a prima de Paulo, pela internet, Ana Maria brincou que as duas poderiam ser primas novamente. "Aí, ela me contou. Foi um choque, fiquei pensando sobre isso uns dois, três dias. Dá a sensação de que 'Será que na minha época...?'. Mas acho que ficar sabendo disso deixou a gente ainda mais próximo", avalia Ana, de forma positiva.

A possibilidade de Paulo ser gay nunca havia passado pela cabeça de Ana, porque como ela conta, "ele sempre foi muito bonito, muito assediado pelas mulheres". E quando soube da novidade, "era uma fase dele que estava bem resolvido, já havia se assumido".

Mas somente depois de, mais ou menos, um ano, eles tiveram a oportunidade de conversar sobre o assunto. "Ele vivia me dizendo: 'preciso te contar uma coisa. Você é muito importante pra mim, mas eu só posso te contar, quando a gente se encontrar'. Eu perguntava se era coisa boa. Ele me dizia que era bom pra ele. Eu respondia que se era bom pra ele, seria bom pra mim também.".

A oportunidade surgiu quando os dois foram padrinhos de casamento juntos. "Ele disse que ficou com muita vergonha de me contar, porque fomos namorados. Hoje, nós contamos um para o outro sobre os relacionamentos de cada um e sobram histórias engraçadíssimas, como o dia em que ele contou que beijou um homem no carnaval de Salvador e que tinha um beijo muito parecido com o meu", conta aos risos.

*Mesmo "achando legal poder contar essa história", como ela mesma diz, Ana preferiu trocar os nomes para preservá-lo, já que ele não participou da entrevista.

Eu já sabia...

Ilustração de um casal de homens gays e de um casal de homem e de uma mulher O caso de Camila** e Diogo** foi diferente. Ela conhecia Diogo e sabia de sua opção bissexual. "Nunca tive problemas quanto a isso". Namoraram por dois anos, mas uma traição abalou as estruturas. "Um dia, sem querer, vi umas fotos dele com um outro cara e perguntei quem era, até ele confessar", desabafa Camila.

Diogo contou que a traiu com um outro rapaz no início do namoro, mas Camila não se deu por vencida. "Se foi no início, por que ele guardou as fotos? Isso é uma coisa que não entendo".

A angústia aumentava, porque Camila não se sentia à vontade para contar sua vida amorosa para uma amiga. "Eu tinha medo de que falassem pra eu não ficar com ele simplesmente pelo fato dele ser bi, coisa que realmente não me incomodava", enfatiza.

O que a inquietava e, pode-se dizer que isso ainda a incomoda, foi a traição ter acontecido com um homem. "Pra mim, foi muito pior, porque não tem como eu ser homem. A auto-estima da gente cai muito. Me senti usada" , conta Camila, que tem dúvidas se ele realmente é bissexual ou homossexual.

Eles terminaram o namoro e reataram, porque Diogo prometeu ser mais carinhoso com ela, dar mais atenção, mas já era tarde. "A relação estava desgastada", diz. Além disso, ela conheceu um outro rapaz que a interessou, o passo definitivo para o fim do namoro.

**Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados

A psicologia dos fatos

Fernanda Loyola em entrevista para ACESSA.com, no MGM Procurar a ajuda de um psicólogo foi a solução encontrada por Camila, mas nem sempre a terapia é a alternativa, como não foi no caso de Ana Maria, que em poucos dias se refez da notícia.

A psicóloga Fernanda Loyola, que faz atendimento também no Movimento Gay de Minas, diz não teve nenhum caso de mulheres que relatassem o fato do ex-namorado ser homossexual. Por isso, ela faz algumas suposições do ponto de vista do homossexual que namora uma mulher e das sensações que uma mulher tem ao descobrir a opção sexual daquele com que ela se relacionou amorosamente ou até mesmo daquele com quem ela se relaciona.

A primeira hipótese de Fernanda é que o homem que ainda não definiu sua opção sexual, acredita que o primeiro amor dele teria que ser com uma mulher. Há também a possibilidade deste homem se sentir envergonhado e não aceitar que gosta de outros homens. "Ele tem casos homossexuais, mas namora mulheres. Às vezes, até casa e tem filhos".

Ela cita os homens que são bissexuais, "que, hoje em dia, já é uma opção mais aceita", diz. Fernanda comenta que, neste caso, o que vai determinar é o desejo que este homem está sentindo e afirma que "ele se apaixona pela pessoa" e não exatamente por ser homem ou mulher.

Já as mulheres são mais complexas, na opinião de Fernanda. "Ela é emotiva, leva os sentimentos mais a 'ferro e fogo' e talvez sofra mais por isso ao descobrirem que seu ex-namorado é gay". Ela lembra que alguns homens sonham com a possibilidade de se relacionar com mulheres que tenham atração por outras mulheres.

 

"Algumas mulheres podem até achar melhor que ele seja gay, porque, dessa forma, elas não precisam concorrer", supõe, Fernanda, falando sobre mulheres que permanecem com o romance, mesmo sabendo sobre a opção sexual velada do parceiro.

"Dependendo do grau de fragilidade emocional", as mulheres podem se sentir culpadas, como se elas fossem responsáveis por não ter despertado desejo naquele homem. "E não é nada disso! É uma escolha dele. Ela precisa separar quem é ela e quem é ele. A mulher, por si só, tem a tendência de se misturar na relação. São pessoas diferentes. É preciso respeitar, aceitar e não se culpar".

É claro que Fernanda sabe que este não é um processo fácil, "mas, talvez, desse jeito, ela não sofra por um algo que não é dela, não sofra pela escolha dele".


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