RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Um estudo sobre envelhecimento saudável desenvolvido por uma pesquisadora brasileira mostrou que a tecnologia pode ajudar a estabilizar doenças de demência senil, como o Alzheimer. O trabalho, conduzido com participantes idosos por meio de jogos de computadores e alfabetização digital, não contou com o uso de medicamentos.

A aposentada Adriana del Carmen Marin Puga, 78, uma das voluntárias da pesquisa, conta que antes das oficinas pouco tinha usado um computador, muito menos jogos, mas que ao aprender, gostou dos resultados.

"Foi um aprendizado para mim, nunca tinha jogado. Fiquei desperta, ativou minha memória, melhorou o raciocínio e até a agilidade com as mãos", conta Puga, que também está aprendendo francês e fazendo exercícios físicos para potencializar sua saúde.

O trabalho, controlado e randomizado, foi conduzido na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) por quatro meses com um grupo de 62 voluntários acima de 60 anos que tivessem ou não comprometimento cognitivo leve. Eles foram divididos em dois grupos: um participou de sessões de alfabetização digital e outro de meditação mindfulness.

Os idosos participantes dos encontros para treino e manutenção da memória pelo uso do computador melhoraram sua atenção e orientação espacial após passarem por uma hora e meia semanal de alfabetização digital e treinamento de jogos digitais em 16 encontros.

Eles tiveram em média 2,6 pontos a mais na avaliação neuropsicológica via Montreal Cognitive Assessment - um teste de triagem cognitiva projetado para auxiliar os profissionais de saúde na detecção de comprometimento cognitivo leve e doença de Alzheimer - realizada antes e depois das oficinas do que o grupo de controle, que utilizou outra técnica de ativação da mente, a meditação mindfulness.

A próxima etapa, que aguarda liberação de recursos de fomento, deve comparar o impacto de oficinas de programação e o uso jogos via smartphone através do aplicativo Cérebro Ativo desenvolvido pela ISGAME (Internacional School of Games), escola criada com o objetivo de ensinar idosos a jogar videogames para prevenir o Alzheimer.

A autora da pesquisa, Ana Cláudia Bonilha, gerontóloga e doutora em Ciências em Saúde Coletiva, defende que medidas de intervenção não medicamentosas para identificar e tratar causas de déficit cognitivo e de perda de independência devem ser prioridade nos sistemas de saúde.

Na prática, os resultados podem tornar itens tecnológicos comuns, como um celular ou computador, ferramentas capazes de manter as pessoas mais velhas ativas, independentes e saudáveis por mais tempo.

"Por se tratar de um programa simples de prevenção, ele pode ser utilizado em qualquer serviço de saúde", afirma a pesquisadora.

A pesquisadora reforça que os processos demenciais costumam começar muito antes dos 60 anos e que qualquer pessoa pode investir na estimulação cognitiva por jogos como prevenção, especialmente a partir dos 40.

Além do foco e atenção na tela, a movimentação do teclado também funciona como treino cognitivo por ativar uma região maior do cérebro, similar ao que ocorre quando tocamos um instrumento musical.

O trabalho conta que, diferente do imaginado até pouco tempo atrás, o uso de computadores estimula mais a região cerebral que processa a linguagem que a de resolver problemas matemáticos - fato que pode explicar os resultados encontrados nos processos de aprendizagem e de consolidação da memória pela Unifesp.

A tese "Prevenção do declínio cognitivo via alfabetização digital e manejo de games virtuais", defendida este ano por Bonilha, foi feita em parceria com a ISGAME, que também criou jogos específicos para idosos.

Segundo Fabio Ota, 59, CEO da instituição, o trabalho da empresa começou em 2015 e inicialmente era focado em ensinar programação para retardar a perda de memória em idosos.

O principal desafio foi criar um jogo que treinasse a memória, concentração, raciocínio lógico e planejamento, fosse fácil para um idoso jogar e validasse os benefícios contra o Alzheimer.

Para isso, Ota uniu sua equipe de desenvolvimento de games com uma de saúde multidisciplinar. "Nos testes verificamos que os idosos não gostavam de jogos abstratos, eles sempre queriam tentar entender o porquê e o sentido dos jogos", afirma.

A adaptação levou em conta a realidade dos usuários e propôs jogos em que precisariam, por exemplo, completar as compras de uma lista de mercado, cuidar de um jardim, encontrar a saída de um labirinto ou encontrar erros.

No estudo, 80% dos voluntários disseram ter um computador em casa, mas apenas 56,6% sabiam o básico para utilizar o dispositivo no início do estudo.

Segundo Bonilha, o uso de smartphones representará um grau a mais no nível de dificuldade, especialmente para idosos mais longevos, o que poderá ser ajustado. "Eles ainda se perdem nos comandos e nas funções dos telefones, [mas] os jogos podem ser usados nas horas de folga para criar um momento lúdico e prazeroso", afirma a gerontóloga.

No grupo de estudo, 93% dos idosos possuíam celular, sendo 82,5% dos aparelhos smartphones com acesso à Internet. Os pontos críticos são dispositivos menores e aqueles com desbloqueio por digital.

Os jogos usados pela pesquisadora foram criados com base no conceito de design inclusivo, focado em usabilidade, acessibilidade e ergonomia. Além da alteração do tamanho da fonte escrita, também foram consideradas a degeneração ocular etária prevista a partir dos 70 anos e a dificuldade em distinguir cores com variações de azul, verde, amarelo e vermelho.


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