SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Imagine não ser informada sobre a possibilidade de sentir dor durante um procedimento ginecológico e ser pega de surpresa pelo desconforto, até desmaiar. Agora imagine saber dessa probabilidade, pedir acesso à anestesia, e receber como resposta que "toda mulher aguenta, você não é diferente". Esses episódios fazem parte de histórias reais vividas por mulheres que decidiram colocar o DIU e não receberam o atendimento adequado.

A produtora de audiovisual Anny Almeida, 26, contou para reportagem que a primeira consulta para decidir como o procedimento seria realizado foi "a pior" da sua vida. "Achei que o médico fosse me bater quando eu disse que gostaria de realizar o procedimento com anestesia para não sentir dor", afirma.

Na ocasião, ela contou que foi recebida de forma rude pelo profissional, que a questionou de cara sobre "o que eu queria com ele". Depois de explicar que temia pela dor e desconforto durante a colocação do DIU, o médico se recusou a realizar o procedimento com anestesia, além de afirmar que, caso fosse doloroso, ela aguentaria.

Depois disso, ela decidiu registrar uma reclamação formal na Central de Atendimento à Mulher e procurar outro médico no seu plano de saúde, até encontrar um que realizou o procedimento com o anestésico.

"Ele foi super profissional, muito claro em todas as suas colocações e me ouviu com calma. Não senti dor alguma [durante o procedimento] graças à pequena dose de anestesia", afirma.

A jornalista Camila Rondon, 42, por outro lado, não sabia que a colocação do DIU poderia ser uma experiência dolorosa, porque não recebeu nenhuma orientação deste tipo do ginecologista que a atendeu, nem mesmo sobre os possíveis efeitos colaterais que poderiam ocorrer após o procedimento.

Ela também não sabe por quanto tempo ficou desacordada e, quando despertou, estava sozinha em uma pequena sala do consultório. "Quando eu acordei perguntando o que estava acontecendo, entrou alguém na sala falando 'ela acordou'". Queixando-se de enjoos, ela recebeu uma lixeira para poder vomitar.

"Quando eu saí, ainda passando mal, a secretária [do consultório] me perguntou se estava tudo bem e me deu a roupa. Eu nem vi o médico mais. Fui para casa, fiquei deitada com cólica e por conta própria tomei um remédio", conta Camila. "Hoje eu entendo isso como uma agressão".

Já com a assistente de figurino Brenda Lima, 26, tudo ocorreu dentro do esperado até a colocação do DIU de cobre, tipo que ela havia escolhido depois de conversar com a ginecologista do seu convênio. "No dia foi tranquilo, apesar da médica não olhar muito para minha cara, tomei remédios para ajudar a não sentir tanta dor na inserção, e depois voltei pra casa", lembra ela.

No entanto, após dois meses do procedimento, ela sentiu um incômodo e percebeu, por meio de um autoexame, que o dispositivo havia saído do lugar ?algo que pode ocorrer?, e decidiu voltar ao consultório. "Ela fez perguntas do tipo 'como você sabe que deslocou?', desconfiada de que não tinha acontecido nada, até fazer o exame visual e ver que realmente estava fora do lugar", conta.

Na consulta, Brenda pensou que seria examinada e marcaria uma nova data para fazer o procedimento, mas a médica decidiu recolocar o DIU naquele mesmo dia. No entanto, ao invés de colocar o de cobre, como era a preferência da paciente, a ginecologista decidiu por conta própria colocar um dispositivo hormonal.

"Sendo que eu havia informado na triagem que usava o de cobre. Ela [a ginecologista] não olhou na minha cara durante todo o processo, fiquei cerca de dez minutos na sala, confusa e preocupada", conta Brenda, que afirma não ter tido reação para dizer que o DIU estava errado.

Vale destacar que o DIU é um dos métodos contraceptivos mais eficientes -tanto o de cobre quanto o hormonal têm mais de 99% de eficácia-, e com um impacto reversível na fertilidade, ou seja, quando ele é retirado a mulher já pode engravidar. Por ser um dispositivo inserido no útero, não é preciso lembrar-se de tomar ou injetar, como no caso das pílulas e injeções.

O QUE DIZ A FEBRASGO

Questionada pela reportagem a respeito dos casos relatados nesta reportagem, a vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) Ilza Maria Urbano Monteiro afirmou que "a história está um pouco estranha" e "mal contada" no caso da paciente que teve o tipo de DIU trocado sem seu consentimento.

Segundo Ilza, o dispositivo de hormônio custa cerca de mil reais, enquanto o de cobre apenas cem, o que, para ela, deixa o caso "uma história que não tem pé nem cabeça". "Se a médica não ia ter nenhum ganho financeiro com isso, pelo contrário, por que ela colocou um mais caro?", pontuou.

Além disso, a porta-voz destacou que antes de escolher o tipo de DIU, a paciente deve passar por um tipo de aconselhamento contraceptivo, onde é explicado os prós e contras de cada método.

Sobre a paciente que desmaiou de dor, Ilza ressaltou que, atualmente, "é muito difícil" acontecer de a mulher não ser orientada sobre o procedimento, e que a dor causada pela colocação do DIU tem intensidade moderada entre 5 e 6, em uma escala medida de 0 a 10. Na avaliação da porta-voz, se ela ficou bem depois do episódio, o desmaio pode ter acontecido "por causa da ansiedade" que a preocupação com o procedimento pode causar.

"Precisa ver se não foi simplesmente um mal-entendido. Porque às vezes acontece de haver um desmaio, mas por uma simples variação de pressão [...] É muito difícil que as pessoas se acalmem totalmente, a ansiedade às vezes é extrema, principalmente quando a paciente é jovem", afirmou Ilza.

Para a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite, ambulatório de sexualidade feminina na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os casos relatados nesta reportagem são exceções que refletem como a rotina exaustiva dos profissionais de saúde dificulta uma boa relação entre médico e paciente.

"O que a gente percebe é que tanto no SUS, quanto nas consultas de convênio, o médico tem pouco tempo para estabelecer uma relação de confiança com a paciente, e uma consulta para decisão de método contraceptivo tem que ser feita com cuidado, porque precisa explicar todos os métodos, os prós e o contras de cada um", afirma ela.

Além disso, ela destaca a importância de a paciente assinar o termo de consentimento antes de realizar a colocação do DIU. Neste documento, segundo Carolina, deve estar especificado qual tipo de dispositivo será colocado, além das complicações e efeitos colaterais que o procedimento pode causar.

"Pode ser doloroso, tem o risco de perfuração uterina, a paciente pode ter sangramento depois, então tudo isso precisa estar no termo", explica a ginecologista. Para aquelas mulheres que nunca engravidaram, a colocação do DIU costuma ser mais dolorosa ou causar apreensão, segundo a profissional.

Situações de desmaio podem acontecer, de acordo com Carolina, mas são passageiras. "Existe uma coisa que chama reflexo vagal, que é quando a gente traciona um pouco o útero. Isso pode causar mal-estar, uma sensação de desmaio que é desagradável mesmo. Mas se existe uma relação de confiança entre o médico e a paciente, isso não acontece, ou se acontece, o médico acalma a paciente."

PRECISA DE ANESTESIA PARA COLOCAR DIU?

A porta-voz da Febrasgo explica que, no geral, o procedimento para colocar o DIU, seja o hormonal ou o de cobre, é rápido e "muito fácil", e por se tratar de uma dor de intensidade moderada, como uma cólica menstrual mais forte, o uso da anestesia para realizar o procedimento não é uma prática recorrente na ginecologia.

"Alguns colegas, para amenizar essa dor, fazem anestesia local no colo do útero e referem que as pacientes se sentem mais confortáveis, mas na literatura não temos evidência de que essa anestesia melhore [a dor]", afirma.

Ela explica que um analgésico também pode ser administrado antes do procedimento. A anestesia é indicada para cerca de 10% dos casos, segundo Ilza, quando a dor pode ser acima do esperado. "No mínimo, em 80% das vezes é um procedimento rápido. Mas, claro, a paciente tem que concordar em fazer o procedimento sem a sedação", destaca.

A ginecologista Carolina Ambrogini destaca que, embora a anestesia não seja uma regra, pode ser necessária para as mulheres que têm mais sensibilidade à dor. "Por isso é importante o médico conhecer a paciente, porque se ela já tem muita dor no exame ginecológico, fica tensa, ou tem o colo do útero muito fechado, o ideal realmente seria fazer uma sedação. É preciso avaliar caso a caso", afirma ela.

A colocação do DIU pode ser feita tanto no consultório quanto em uma clínica ginecológica. "Esse é um procedimento ambulatorial que, em muitos países do mundo, além de médicos, profissionais de saúde como enfermeiros também são treinados para colocar, porque é relativamente simples e, na maioria das vezes, rápido, basta seguir a técnica", explica a porta-voz da Febrasgo.

"O DIU é uma contracepção de longa duração, que traz poucos efeitos colaterais e é seguro. É importante a paciente estabelecer uma relação de confiança com o seu médico, e se ela não está se sentindo segura, procurar outro profissional", destaca Carolina Ambrogini.


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