RIBEIRÃO PRETO E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na cidade que não dorme, executivos estão cada vez menos confiantes de que sozinhos dão conta do recado. Como resultado, São Paulo vê crescer o uso de remédios usados para TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) como supostos potencializadores cerebrais.

São eles medicamentos como Venvanse (dimesilato de lisdexanfetamina) e Ritalina (cloridrato de metilfenidato), que atuam no sistema nervoso central e aumentam a atenção ao diminuir a impulsividade e hiperatividade.

A primeira vez que o executivo do mercado financeiro Tiago (nome fictício, a pedido), 36, tomou Venvanse foi com a prescrição de seu psiquiatra. Ele vivia uma crise amorosa e profissional no meio da pandemia de coronavírus, e como os ansiolíticos que usava diminuíram seu rendimento, tomou o medicamento para equilibrar a balança.

"Eu parecia o Batman. Se saia para correr, corria super rápido. Ficava focadasso em reunião, rendendo super bem", diz.

Com um desempenho assustador, Tiago desistiu de tomar o medicamento de forma contínua. Manteve, porém, a caixa do remédio por perto, e utilizou nas vezes em que precisou de uma performance melhor em reuniões importantes. "Para mim o efeito é bem bizarro", pontua.

O executivo vê colegas da Av. Brigadeiro Faria Lima, onde trabalha em São Paulo, tomando o Venvanse por diversos motivos, desde ter melhor desempenho no trabalho, até mais desenvoltura na hora de flertar na balada.

"Então, [o remédio] aumenta o desempenho da pessoa não só no trabalho, mas socialmente", conta.

Médicos e fontes do mercado financeiro ouvidos pela Folha disseram que o medicamento é, há alguns anos, febre entre executivos e funcionários do mundo empresarial da cidade. Buscam melhor performance no trabalho, com jornadas mais longas e hiperfocadas.

Enquanto isso, nas redes sociais, pessoas em tratamento real dizem que os remédios estão em falta. Em fevereiro deste ano, a farmacêutica Takeda emitiu um comunicado para reafirmar o uso adequado do Venvanse, indicado para o tratamento do TDAH e transtorno de compulsão alimentar.

"Portanto, a utilização para qualquer outra finalidade que não a indicação aprovada no país é considerada uso fora do estabelecido em bula (off-label), não estando respaldada por estudos clínicos relevantes que possam mostrar evidências de sua eficácia e/ou segurança", diz a nota.

Em setembro, a Associação Brasileira do Déficit de Atenção publicou outro comunicado emitido pela farmacêutica em resposta aos questionamentos da instituição sobre a falta do medicamento.

"Esse desabastecimento temporário, que pode provocar a falta do medicamento, ocorre em consequência do aumento da demanda e de dificuldades nos trâmites de importação do produto", escreveu a Takeda.

Na outra ponta, concurseiros, universitários e vestibulandos trocam dicas em redes sociais sobre como comprar e consumir as chamadas "drogas da inteligência" (smart drugs, em inglês).

"Meus amigos de faculdade e residência usavam muito. Um chegou a ficar cinco dias sem dormir e teve um acidente de carro. Usava ritalina e femproporex. Nunca usei porque sempre tive medo dos efeitos e de realmente ficar dependente desse alto rendimento", diz a médica e professora universitária Flávia (nome fictício, a pedido), 37. Ela diz que o acesso é simples e fácil.

"Antes eram remédios para emagrecer e anfetaminas, mas pelo que converso com meus alunos, Venvanse e Ritalina são muito comuns mesmo", pontua.

O artigo italiano "Smart drugs and neuroenhancement: what do we know?" (Drogas da inteligência e neuroaprimoramento: o que sabemos?, em português), publicado em 2021 na revista científica Frontiers in Bioscience-Landmark, aponta que medicamentos para estímulo cerebral são as principais drogas consumidas por estudantes, atrás apenas da maconha.

O afirma que os motivos mais frequentes alegados para o consumo por estudantes foram melhor concentração, neuroaprimoramento, redução do estresse, otimização do tempo, maior do período de vigília, incremento do tempo livre e curiosidade.

Os pesquisadores da Universidade da Catania concluíram que resta dúvida sobre a eficácia e benefícios relatados pelos consumidores, além de não ser possível saber se, de fato, os resultados positivos se devem aos medicamentos, ao efeito placebo ou uma combinação dos dois.

Eles também indicam que as drogas da inteligência são um problema de saúde pública, pois quando combinadas com outras substâncias aumentam o risco de danos colaterais.

Para Fabiano Moulin de Moraes, médico do departamento de neurologia da Unifesp (Universidade Federal Paulista), usar psicoestimulantes sem indicação pode piorar o estado mental, agravar quadros de irritação, insônia e até psicose e delírio.

"Dentro da prescrição são drogas seguras, mas o uso sem supervisão adequada traz prejuízos", destaca o neurologista.

O profissional pontua que o uso de modafinil ou metilfenidato (princípio ativo da Ritalina) às vezes gera resultados porque a pessoa pode ter algum distúrbio de ansiedade, depressão e déficit de atenção não tratado que requer medicação.

"Quem finge ter um estilo de vida saudável e não tem, precisa dessa bengala para manter a expectativa de desempenho sobrehumano. Achar que vai trabalhar 18 horas por dia com a mesma rentabilidade é ignorar a própria biologia", afirma o médico.

O farmacologista André Pupo, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e vice-presidente da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), aponta que os nootrópicos (nome científico das substâncias naturais e artificiais que estimulam o sistema nervoso central) começaram a ser estudados na década de 90 e reúnem várias classes de drogas, das naturais, como a cafeína e nicotina, às sintéticas, como venvanse, piracetam e ritalina, por exemplo.

"As principais basicamente aumentam a excitação do sistema nervoso central e essa função cognitiva. Fazem com que o indivíduo tenha mais facilidade em realizar alguma tarefa, simplesmente por motivar esse indivíduo", afirma o professor.

Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental, Pupo destaca que há um número enorme de substâncias capazes de oferecer uma suposta melhora de funções cognitivas e executivas, afetando a capacidade de atenção, memória, criatividade e comportamento.

Em agosto deste ano, pesquisadores da Universidade Tcheca de Ciências da Vida de Praga publicaram na revista suíça Nutrients um estudo comparativo entre substâncias nootrópicas naturais (como pó de guaraná) e sintéticas (como piracetam).

"Nootropics as Cognitive Enhancers: Types, Dosage and Side Effects of Smart Drugs" (Nootrópicos como potenciadores cognitivos: tipos, dosagem e efeitos colaterais das drogas da inteligência, em português) reforçou que faltam evidências clínicas sobre a eficácia e segurança no uso prolongado de nootrópicos como potencializadores cerebrais, especialmente variantes sintéticas, indicadas apenas para pacientes com doença de Alzheimer, esquizofrenia, transtorno hipercinético ou demência senil.

Os autores não recomendam o consumo por pessoas "saudáveis que não sofrem de qualquer disfunção cognitiva", e sugerem mais estudos com base em neuroimagem para confirmar ou refutar os efeitos neste grupo.


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