BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revisa os termos de um novo acordo para acelerar a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, ocorrida há mais de sete anos.
Entre as propostas que já vinham sendo acordadas desde a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e foram levadas para o novo governo está o fim gradual das funções da Fundação Renova -entidade bancada pela mineradora Samarco e suas donas, Vale e BHP Billiton.
O entendimento é que a Renova não conseguiu atingir os objetivos esperados e tem uma burocracia que dificulta a reparação dos danos do desastre.
A previsão de extinção da fundação é confirmada por diferentes entes públicos que participam das rodadas de negociações e foram ouvidos pela Folha de S.Paulo.
Fazem parte das discussões sobre um novo acordo, além da União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministérios Públicos federal e dos estados, defensorias públicas e as três mineradoras.
Na tragédia de Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, a barragem operada pela Samarco se rompeu e provocou um tsunami de lama que percorreu 650 km até chegar ao oceano, destruiu vilas inteiras e deixou 19 mortos.
Até o momento, ninguém foi responsabilizado criminalmente pelo desastre.
A Renova nasceu a partir de um primeiro acordo sobre o desastre, firmado ainda na gestão Dilma Rousseff (PT), em março de 2016. À época, a União e os estados queriam dar uma solução rápida à crise provocada pelo impacto ambiental e social do rompimento.
A fundação toca programas que vão do pagamento de indenizações e auxílios aos atingidos ao reassentamento de famílias que perderam suas moradias.
A partir de 2021, porém, autoridades e mineradoras chegaram à conclusão de que seria necessário uma repactuação do acordo, diante de entraves nas ações de reparação da tragédia.
A ideia prevista no provável novo acordo é que os serviços que a Renova tem prestado não sejam imediatamente cancelados, até porque a fundação contratou obras de construção de vilas para os atingidos que tiveram suas residências destruídas pela lama de rejeitos.
Os trabalhos da fundação, porém, seriam gradativamente substituídos pela atuação dos próprios estados e pelas mineradoras.
Havia um consenso entre os entes públicos, até a mudança da gestão federal, de que a Renova é ineficiente e não entrega os resultados esperados, apesar do orçamento que tem.
Agora, o assunto tem sido discutido em diversos ministérios do governo Lula. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, já teve uma reunião preparatória com Marina Silva (Meio Ambiente) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Ao mesmo tempo, a AGU (Advocacia-Geral da União) tem analisado as questões jurídicas do tema.
O governo Lula, porém, ainda não prevê em quais pontos do acordo deve sugerir mudanças e quando espera assiná-lo.
Segundo o procurador da República Carlos Bruno, do Ministério Público Federal em Minas Gerais, o modelo da Renova "fracassou". "Em alguns momentos se pensou até em mudar a administração da Renova, mas a gente chegou à conclusão que o modelo da Renova é insalvável", afirma.
Segundo ele, o problema não está na existência de uma fundação o caso. "Vários acordos do mundo tiveram fundações. O problema é que a Renova foi feita de um jeito em que a fundação é, basicamente, comandada pelas três empresas e termina, na prática, sendo um 'longa manus' [executor de ordens] com objetivo empresarial, que é o de gastar o mínimo possível", afirma o procurador.
"A gente nota muitas vezes que a Renova não está preocupada em garantir no prazo mais curto possível a justiça que os atingidos merecem, e muitas vezes fica em discussões pequenas de laudos e metodologia, que na prática visam a contenção de gastos."
Segundo ele, a ideia agora é "tentar reduzir ao máximo as funções da Renova numa eventual repactuação e, ao longo do tempo, ir tentando terminar com a atuação da fundação na reparação do Rio Doce".
Outro ponto do acordo que, até o fim do ano passado, tinha sido consensual entre as autoridades públicas é a de que é necessário estabilizar a quantidade de rejeitos que deveriam ter sido retirados dos rios.
Ou seja, em vez de remover a maioria da lama, os órgãos entenderam que a opção mais sustentável é mantê-la nos locais onde foi depositada para evitar que a retirada cause um novo impacto ambiental.
Além disso, a proposta atual de novo acordo prevê um legado para as regiões afetadas, sobretudo com a universalização do saneamento básico na bacia do rio Doce, como reparação compensatória.
A estimativa das partes envolvidas é que mais de 90% dos termos do acordo já estão em consenso entre órgãos públicos, mas agora a expectativa é que o governo Lula analise com celeridade e não demore em informar se deseja fazer alguma mudança.
Para chegar ao modelo atual da previsão de acordo, foram quase 400 reuniões entre os órgãos.
Dentro do governo Lula, é esperado que ao menos algumas das diretrizes defendidas pela gestão Bolsonaro sejam alteradas.
A intenção é que o trato seja assinado antes do início do julgamento na Justiça do Reino Unido de uma ação indenizatória de aproximadamente 400 mil vítimas contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, uma das donas da Samarco junto com a Vale -o que pode acontecer em 2024.
Procurada, a Renova afirma em nota que "permanece empenhada na reparação e na compensação, que se encontram em um momento de avanços e entregas consistentes dos programas que tiveram definição clara pelo sistema de governança participativo".
A entidade diz que já indenizou mais de 400 mil pessoas, afirma que o processo é considerado prioritário e listou números de reconstruções de casas que foram concluídas até o fim de 2022, além de obras de saneamento.
"Das 568 famílias que tiveram moradias afetadas pelo rompimento, 209 tiveram os seus casos resolvidos com a mudança para os seus novos imóveis ou indenizações", diz a Renova.
Segundo a fundação, "no total, até dezembro de 2022, foram destinados R$ 28,07 bilhões às ações de reparação e compensação".
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