SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O orçamento de 2023 voltado à assistência de saúde dos povos indígenas no país é o menor dos últimos dez anos. Em comparação ao de 2014, o valor sofreu uma queda de 24%.
As informações constam de um novo boletim do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) produzido em parceria com a Umane. O trabalho se baseia em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
"A retração no orçamento pode agravar problemas na oferta de serviços de saúde que já existem nas comunidades indígenas", afirma Victor Nobre, assistente de políticas públicas do Ieps.
O Ministério da Saúde disse à Folha de S.Paulo "a proposta orçamentária de 2023, encaminhada pela gestão anterior ao Congresso, era insuficiente para atender as despesas da saúde indígena". Então, a transição de governo, negociou para recompor o orçamento e chegar aos valores atuais.
Também afirmou que "a pasta está atenta às necessidades orçamentárias e mantém diálogo permanente com a área econômica e com o Congresso Nacional".
Os valores compilados pelo boletim se referem às Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) e foram corrigidos conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de dezembro de 2022.
A lei orçamentária regula as despesas do governo federal. Ela é desenvolvida no ano anterior ao que se refere: por exemplo, a lei de 2023 foi projetada no ano passado. Inicialmente, elabora-se um plano, chamado de Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual), desenhado pelo Executivo e enviado ao Congresso Nacional.
Antes de ser promulgado, o projeto pode sofrer alterações. Um caso é da própria assistência à promoção da saúde indígena de 2023. Essa verba é usada para arcar com a maior parte dos custos envolvidos na saúde em aldeias indígenas, como fornecimento de remédios e pagamento dos salários de funcionários.
De início, destinavam-se cerca de R$ 609 milhões. Mas, na versão final do texto, que quando sancionado passa a ser a LOA, o orçamento para a assistência ao programa da promoção da saúde indígena subiu para cerca de R$ 1,5 bilhão.
Entre 2014 e 2017, o montante ultrapassava os R$ 2 bilhões a cada ano. A partir de 2018, a quantia ficou abaixo desse total e, com exceção de 2022, manteve-se em queda com o passar dos anos.
Outro item do orçamento relacionado à saúde é o de saneamento básico, o que abrange medidas como a realização de obras para fornecimento de água potável. Esse atingiu um recorde em 2023: R$ 145 milhões, quase o triplo comparado ao ano anterior.
Somados, saneamento e assistência à saúde atingem R$ 1,7 bilhão. Mesmo assim, esse valor é o segundo menor dos últimos dez anos. Só perde para o de 2021, com aproximadamente R$ 1,6 bilhão.
O investimento na saúde indígena voltou à tona com a crise na terra yanomami, em Roraima. Desnutrição severa, malária e pneumonia foram algumas das condições observadas na comunidade. No território, faltam insumos básicos e unidades de saúde estão em péssimo estado de conservação.
Paulo Abati, médico infectologista especialista em saúde indígena e professor auxiliar da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, afirma que a diminuição do orçamento afeta de diferentes formas a saúde dos povos indígenas. Uma delas é o enxugamento de ação de vigilância sanitária.
"Parte dessa catástrofe [dos yanomamis] é em função de uma ausência de vigilância epidemiológica, que está diretamente relacionada a uma falta de financiamento para a gente mapear o que estava acontecendo naquele território nos últimos anos", diz.
Sem um mapeamento dos principais problemas de saúde, o desenho de uma estratégia adaptada de saúde, como para o fornecimento de medicamentos cuja necessidade é maior naquelas comunidades, fica prejudicado.
A queda no financiamento dificulta ainda, de forma geral, o fornecimento de suprimentos para tratamento de doenças.
"A redução de verbas aprofunda problemas já existentes e torna essa população ainda mais vulnerável", resume Nobre, do Ieps.
Na crise atual dos yanomamis, por exemplo, faltam insumos básicos como remédios e seringas.
Abati visitou recentemente a comunidade. "Eu estive nos yanomamis no ano passado [...] e a gente levou todos os medicamentos, porque não tinha remédio no polo base. São medicamentos básicos de verminoses. Coisas muito simples."
Outro ponto que entra nessa equação é o modo como a saúde indígena é estruturada.
A responsabilidade para financiar essa porção da saúde é do Governo Federal ao viabilizar o financiamento diretamente aos DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas). Em outras áreas da saúde pública, essa obrigação é compartilhada com estados e municípios -no caso dos indígenas, essas esferas só podem ser atores complementares.
Por ser uma responsabilidade do governo federal, a redução dos investimentos na saúde indígena mostra-se ainda mais crítica, afirma Abati. "Se temos oscilações no financiamento da saúde indígena, temos a repercussão na ponta como resultado de um decréscimo [no orçamento]."
A Folha de S.Paulo procurou os ex-ministros da Saúde que assumiram a pasta a partir de 2018, ano em que começou a queda mais acentuada no orçamento de assistência dos povos indígenas pela promoção da saúde.
Ricardo Barros, titular da pasta entre 2016 e março de 2018, disse que aumentou a execução orçamentária durante sua gestão. Também afirmou que fortaleceu os distritos sanitários indígenas, ampliando o atendimento a essa população, e que contou com a colaboração de lideranças indígenas na tomada de decisão.
Gilberto Ochhi, que assumiu em abril de 2018 a pasta e se manteve até o final do governo Temer, afirmou que o orçamento de 2018 já havia sido definido quando tomou posse. Mesmo assim, ele reiterou que não teve problema com os recursos financeiros destinados à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
Henrique Mandetta, que comandou o ministério de janeiro de 2019 a abril de 2020, disse que já entrou no ministério com o orçamento de 2019 pronto para ser executado. Já para 2020, ele afirmou que o orçamento estava em consonância com as necessidades dos distritos indígenas.
Nelson Teich, substituto de Mandetta que figurou por menos de um mês como ministro em 2020, afirmou que não teve acesso ao projeto de orçamento da LOA. Teich acrescentou que, durante sua gestão, o foco principal era a Covid-19, considerando a gravidade da crise sanitária.
Eduardo Pazuello, que assumiu o ministério depois de quatro meses como interino e ocupou o cargo até março de 2021, e Marcelo Queiroga, que o sucedeu e se manteve no posto até o fim do governo Bolsonaro, não responderam à reportagem.
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