SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se você for a um bloquinho, seja de Axé, frevo ou aqueles que entoam marchinhas, é bem possível que ouça o som de um trombone, um trompete ou até uma flauta. Mas quem gosta de Carnaval já deve ter percebido que nem esses e nem outros instrumentos de sopro aparecem nas baterias de escola de samba.

Não é exatamente um segredo que é a bateria é a responsável por conduzir as agremiações. Durante os ensaios nas quadras ou durante o desfile no sambódromo, é ela quem agita o público, acompanha o interprete e dá o ritmo para os integrantes das outras alas.

Tamborim, surdo, caixa e repinique já são tradicionais e nunca faltam. Chocalho, cuíca, agogô, pandeiro, reco-reco também são vistos com frequência. Se a base da bateria são os instrumentos de percussão, os cavaquinhos acompanham os cantores e representam os instrumentos de corda no samba. Mas e os instrumentos de sopro?

Antes, no início do século passado, os ranchos dominavam os Carnavais. Neles, as músicas eram em geral as marchinhas, tocadas por orquestras. Com o surgimento da primeira escola de samba, a Deixa Falar, criada em 1928 por Ismael Silva, no Rio de Janeiro, o estilo musical foi mudando e o instrumento de sopro perdendo espaço.

Nos anos 1930, após o início das competições entre escolas de samba, foram aparecendo as primeiras regras da disputa. É neste período que o uso do instrumento de sopro foi proibido nas baterias.

A determinação vale ainda hoje e consta no regulamento de 2023 do grupo especial, divulgado pela Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro).

Segundo o documento, está entre as obrigações das escolas de samba que participam da disputa "impedir a utilização de instrumentos musicais de sopro ou de qualquer outro artifício que emita sons similares, em sua bateria, exceto os apitos dos diretores".

Em São Paulo, o regulamento divulgado este ano pela Liga das Escolas de Samba não apresenta essa determinação formal, mas tampouco as agremiações devem utilizar os instrumentos nos desfiles.

"Quando a gente fala de São Paulo, estamos falando de um processo em que não existia esse formato de escola de samba. Ele foi adotado do modelo do Rio de Janeiro, a partir de 1968, com a oficialização do Carnaval de São Paulo", afirma Tadeu Kaçula, sociólogo e pesquisador do samba.

Antes disso, diz, existiam os cordões carnavalescos, que tinham uma outra estética musical, que admitia instrumentos de sopro junto com a percussão.

"Quando há a transição, os instrumentos de sopro não foram mais utilizados, porque o modelo de escola de samba não comportava."

Segundo Kaçula, que é autor do livro "Casa Verde, uma pequena África paulistana", o ritmo ficou mais acelerado, e os instrumentos presentes nas escolas de samba do Rio de Janeiro foram incorporados.

"Os cordões tocavam marchas, rancho, então os instrumentos de sopro eram muito úteis. Com a criação das escolas você passa a ter sambas de autoria própria, sambas-enredos muito próximos do padrão que era feito no Rio", diz.

Para mestre Juca, que comanda a bateria da Águia de Ouro, campeã do Carnaval de São Paulo em 2020, este tipo de instrumento não faz parte da tradição.

"A bateria de uma escola de samba é denominada orquestra de percussão. Colocar qualquer outro instrumento que não seja de percussão seria ferir toda a magia de uma bateria."

Fernando Negão, mestre de bateria da Barroca Zona Sul, vai na mesma linha. Ele diz que não conhece escolas de samba que tenham usado o sopro.

"Não é um instrumento simples para encaixar em uma bateria. Não que não possa, mas não é simples. Este tipo de instrumento [se fosse o caso] combinaria mais com a ala musical, com o cavaco, o violão."


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