Pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de novembro de 2021 a agosto de 2022 para avaliar a cobertura e a qualidade da Atenção ao Pré-natal e Parto ofertada às mulheres indígenas em Mato Grosso do Sul (MS) apontou desigualdades no acesso e no cuidado adequado às necessidades das gestantes no estado. As diferenças, conforme o estudo, são decorrentes de baixos percentuais de assistência pré-natal oferecidos a essas mulheres no estado.
De acordo com a Fiocruz, os pesquisadores entrevistaram 469 mulheres indígenas que receberam assistência ao parto em 10 municípios do estado, considerada uma amostra representativa. Na cidade de Dourados foram ouvidas 121 indígenas, ou 25,8% do total. Em Amambaí, 110 (23,5%); em Caarapó, 30 (6,4%); em Campo Grande, 48 (10,2%); em Aquidauana, 24 (5,1%); em Miranda, 63 (13,4%); em Iguatemi, 12 (2,6%); em Antônio João, 11 (2,3%) e, em Tacuru, 37 (7,9%).
Além das entrevistas individuais, foram analisadas as informações da caderneta da gestante.
A maioria das indígenas ouvidas era das etnias Guarani-Kaiowá (296/63,4%) e Terena (158, 33,8%), residia em aldeia (404/86,1%) e fez pré-natal em unidade básica de saúde indígena (402, 85,7%).
O estudo, aprovado no edital Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA) mostrou ainda que 51,5% das mulheres fizeram sete ou mais consultas de pré-natal (241); 37,2% (157) de 4 a 6 consultas; e 11,3% (53) não tiveram nenhuma ou fizera, de uma a três consultas.
“Esses percentuais ainda refletem o baixo acesso à assistência ao pré-natal, potencializando complicações para a saúde materna-infantil”, completou a Fiocruz em texto sobre a pesquisa publicado em seu site.
Outra informação apurada no estudo é que 66,3% dessa população, ou 311 mulheres, iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre e cerca de 33,7%, ou 158 no segundo e terceiro trimestres de gestação. Para a pesquisadora da Fiocruz Mato Grosso do Sul e coordenadora do estudo, Renata Picoli, o percentual de mulheres indígenas com início do pré-natal no segundo e terceiro trimestres de gestação é uma indicação das dificuldades no acesso ao pré-natal.
A maior parte 355 (75,7%) teve parto normal, enquanto o restante 114 (24,3%) precisou de cesariana. Segundo a Fiocruz, dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) podem servir para comparações com os resultados do estudo. Conforme o Sinasc, a taxa de partos por cesariana entre mulheres não indígenas ficou em 64,3%, em 2020.
Renata Picoli destaca que são vários os fatores que podem explicar a baixa assistência. “A compreensão das situações de vulnerabilidades sociais vivenciadas pelos povos indígenas do estado, caracterizadas pelos conflitos territoriais, iniquidades em saúde, podem ajudar a compreender os piores valores de assistência pré-natal”, afirma no texto.
Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revelam que, de 2003 até 2019, ocorreram em Mato Grosso do Sul 39% dos 1.367 assassinatos de líderes indígenas no Brasil.
Cesarianas
No entendimento da comunidade médica internacional, desde 1985, a taxa ideal de cesarianas nos partos seria de 10% a 15%. Governos e profissionais de saúde têm manifestado preocupação com o aumento desse procedimento e com suas possíveis consequências negativas sobre a saúde materna e infantil.
De acordo com a pesquisadora Renata Picoli, estudos indicam que uma cesárea pode acarretar riscos imediatos e a longo prazo. “Os riscos podem ser maiores para as mulheres indígenas que vivenciam dificuldades na acessibilidade geográfica e que moram em terras localizadas em municípios com oferta limitada de cuidados obstétricos”, afirmou.
Análise
A Fiocruz informa que os resultados da pesquisa poderão subsidiar a análise da situação da atenção pré-natal e ao parto das mulheres indígenas. A intenção é discutir os dados com as comunidades indígenas e entidades que prestam assistência à saúde para esta população e propor uma estratégia de cuidado à gestante e puérpera indígena.
Para aumentar a divulgação dos resultados, a coordenadora da pesquisa destaca que será lançado em breve o documentário Oguata das Gestantes e Puérperas Indígenas de Mato Grosso do Sul, produzido pela Associação de Jovens Indígenas e pela Fiocruz Mato Grosso do Sul. “Será um diferencial, ao trazer as perspectivas e os saberes indígenas sobre as especificidades do pré-natal, parto e pós-parto da mulher indígena”, ressalta Renata.
O trabalho vai continuar com uma avaliação da saúde e nutrição de mulheres e crianças para acompanhar as indígenas e seus filhos nascidos vivos que participaram da pesquisa de pré-natal e parto. Equipes de campo formadas por pesquisadores da Fiocruz Mato Grosso do Sul e pessoas da comunidade indígena vão visitar as mulheres que foram entrevistadas no hospital no ano anterior. “Serão 11 aldeias visitadas no estado, com a perspectiva de avaliar a saúde e nutrição de mulheres e de crianças até os 2 anos de vida, além do acesso aos programas e serviços com repercussões sobre a saúde”, informa a Fiocruz.
De acordo com a Fiocruz, as visitas domiciliares para a mulher e a criança serão feitas em duas etapas, considerando a data de nascimento da criança. A primeira, aos 12 meses, e a outra, ao completar 24 meses de idade. “Por meio de entrevistas, haverá avaliação sobre o atendimento e o acesso aos programas de registro civil, transferência de renda e segurança alimentar e de saúde; levantamento de registros sobre a caderneta da criança, antropometria (verificação de peso e altura da mãe e da criança) e dosagem sanguínea de hemoglobina da mãe e da criança (anemia); aferição da pressão arterial e dosagem de glicose (sorologia para covid-19, hipertensão arterial e diabetes na mulher).”
Renata Picoli destaca que o estudo de acompanhamento é inédito e pode proporcionar resultados sobre as condições de saúde das mulheres e crianças indígenas, ao subsidiar políticas públicas adequadas com ênfase nas especificidades da população indígena.
A reportagem da Agência Brasil pediu uma avaliação do Ministério da Saúde sobre o resultado da pesquisa, mas não teve retorno até a publicação deste texto.
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