MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - Quinze dias após órgãos do governo federal participarem de evento em Atalaia do Norte (AM) anunciando a retomada da atuação na tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia, lideranças indígenas tradicionais dos povos matis, kanamaris, mayorunas e marubos chegaram à cidade para protestar.

Eles exigem a nomeação dos novos coordenadores da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) no Vale do Javari. Para cobrar o preenchimento dos cargos, foram às sedes dos órgãos na última terça (14) e na quarta (15).

Para os indígenas, a demora nas nomeações paralisou as ações de saúde e proteção do território, dando continuidade à situação de abandono dos povos indígenas, uma das principais críticas feitas pelo presidente Lula em relação ao governo Jair Bolsonaro (PL). São quase três meses aguardando essa definição.

Os protestos contra a demora nas nomeações ocorrem também em outras regiões da Amazônia. Os indígenas defendem que as funções sejam feitas por quadros preparados dos povos originários e querem que as indicações estejam imunes às influências de deputados e senadores dos estados.

A Funai tem 39 coordenações regionais e a Sesai conta com 34 Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas).

O elo administrativo dos Dseis é com o Ministério da Saúde. Eles ocupam espaços estratégicos, não associados aos limites dos territórios dos estados, com o objetivo de atuar na saúde indígena. Já a Funai é vinculada ao Ministério dos Povos Indígenas.

Em Roraima, quando o presidente Lula participou da 52ª assembleia do CIR (Conselho Indígena de Roraima), nesta semana, saiu de lá com uma carta com oito páginas de reivindicações assinada por lideranças de nove povos. Dentre os pedidos está a nomeação "sem interferência política" para a Coordenação do Dsei Leste e a indicação da indígena Zelandes Patamona ao cargo.

"A Sesai é uma conquista do movimento indígena do Brasil por uma saúde que atenda nossa realidade e sem ingerência política", dizia trecho da carta de reivindicações entregue a Lula.

Em 28 de fevereiro, o CIR publicou nota cobrando as nomeações e destacando as indicações de nomes indígenas aprovadas em assembleias dos povos da terra indígena Raposa Serra do Sol. O conselho destacou a importância da Sesai e da Funai na área da saúde e proteção territorial, entre outras ações de urgências

"Os dois órgãos historicamente foram ocupados por indicações políticas, principalmente dos parlamentares de Roraima. Com o novo governo, o movimento indígena de Roraima indicou dois nomes para ocupar a coordenação", diz trecho da nota. No dia seguinte, saiu a publicação da nomeação na Funai, a indígena Marizete Macuxi.

Em fevereiro, a associação Urihi Associação Yanomami, em nota, engrossou os posicionamentos dos indígenas. A entidade disse considerar "ultrajante" a participação dos senadores Chico Rodrigues (PSB-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Hiran Gonçalves (PP-RR) em comissão parlamentar para acompanhar a condição do povo yanomami. Os parlamentares têm posições públicas pró-garimpo.

Além disso, os indígenas atribuem ao senador Mecias de Jesus a indicação política dos coordenadores dos distritos Yanomami e Ye'kuana no período em que os yanomamis sofreram desassistência. Os DSEIs também são alvo de investigação de desvio de recursos no período da pandemia.

Filho de Mecias, o deputado Jhonatan de Jesus foi escolhido, com o apoio do PT, como novo ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) em meio à crise na TI Yanomami.

A demora para nomeação dos cargos federais no Alto Rio Negro no Amazonas expôs uma disputa pela indicação entre o prefeito do município de São Gabriel da Cachoeira, Clóvis Curubão (PT), e o líder da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), Marivelton Baré.

Curubão, que é da etinia tariana, é o único prefeito indígena do PT e quer o direito de indicar os cargos, mas pesa contra ele posicionamentos públicos e ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro defendendo mineração em terra indígena. A Foirn, ligada à Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), apresentou como opção o nome de uma indígena do movimento.

A Apib, que até ano passado era presidida pela hoje ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, emitiu nota nesta semana cobrando celeridade nas nomeações por parte do governo Lula e afirmando que as influências políticas e a demora fragilizam a luta dos povos indígenas por seus direitos.

"A política indigenista não pode mais cair na morosidade, omissão e descaso que a caracterizou particularmente nos últimos seis anos. E não pode também, acreditamos, ser submetida a critérios de interferências político-partidários, negociatas e muito menos à prática do toma-lá-dá-cá", diz trecho da manifestação da Apib encaminhada para Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Sesai.

Sônia Guajajara e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, em viagens aos territórios indígenas têm conversado com as lideranças a respeito da construção da política indígena no governo. Em Atalaia, no discurso, a ministra afirmou que a pasta não poderia ser só um órgão figurativo. Na Raposa Serra do Sol, em fevereiro, Joenia disse que, ao aceitar o convite para a Funai uma das condições era proteger os cargos das influências políticas.

Nesta quinta-feira, a Funai negou que haja demora por parte da fundação nas nomeações e que, em alguns casos, aguarda por consenso "acerca das indicações" por parte do movimento indígena. A nota diz que a fundação está construindo, por meio de diálogo com indígenas de diferentes etnias e regiões, nomes dos futuros coordenadores das unidades descentralizadas.

Na nota, a Funai afirma que a busca por diálogos com os indígenas "atesta o compromisso da atual gestão de reforçar a presença indígena em posições estratégicas do órgão indigenista, a exemplo do que já ocorre no âmbito da Presidência e das Diretorias da Fundação".

Procurada, a Sesai não se manifestou até a publicação da reportagem.


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