SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Corredor de ônibus não é lugar só de ônibus, ao menos na avaliação de alguns paulistanos. Praticantes de corrida de rua têm utilizado o espaço reservado a coletivos, apesar dos riscos. Em fevereiro deste ano, por exemplo, uma esportista morreu ao ser atropelada na Mooca, zona leste de São Paulo.

No dia 8 daquele mês, uma quarta-feira, Carla Gimenez Fortuna, 55, foi atingida por um veículo que invadiu o corredor de ônibus da avenida Paes de Barros. No local, hoje, medalhas amarradas a uma árvore e uma cruz homenageiam a esportista.

No último dia 9, a reportagem esteve na avenida e observou corredores ocupando o espaço dos coletivos, inclusive no contrafluxo.

Wilson Sacramento, 71, fundador do Corra Meu, grupo com cerca de 90 integrantes, disse que o corredor de ônibus é utilizado 24 horas por dia para essa finalidade, apesar do perigo.

"Utilizamos a faixa de ônibus, no contrafluxo, mas é perigoso, porque os ônibus correm e os táxis também utilizam o corredor, sem contar que alguns motoristas entram na faixa indevidamente. Há 20, 25 anos, época em que comecei a correr, o trânsito era outro", afirma Sacramento.

Em outros locais da cidade, praticantes de corrida de rua também disputam o espaço das ciclovias.

"No Rio, as pessoas correm na ciclovia, e o ciclista carioca entende que ele tem que dividir o espaço com o corredor, mas aqui não acontece isso", afirma Paulo Carelli, presidente da Abraceo (Associação dos Organizadores de Corrida de Rua e Esportes Outdoor). "Com sinalização adequada e orientação, as ciclovias da cidade poderiam ser divididas com quem pratica corrida de rua."

Carelli também defende a criação de campanhas de conscientização e de sinalização para orientar tanto corredores quanto motoristas, além de melhorias nas condições das calçadas.

"As calçadas são um problema. É impossível correr nelas, porque são esburacadas, desniveladas. Você acaba optando por correr na rua ou nas ciclovias. Quem corre acaba ficando sempre segregado. Na periferia, a dificuldade é maior ainda."

Para o especialista em mobilidade urbana Ricardo Barbosa da Silva, professor do Instituto das Cidades da Unifesp, é necessário repensar a cidade.

"O problema é histórico. No processo da estruturação da cidade, historicamente se dá privilégio ao automóvel, que é o grande consumidor do espaço público. Passa pelo debate de como torná-lo mais democrático. E não é só isso. A cidade foi se adaptando ao longo do tempo: há uma diminuição histórica das áreas verdes, que poderiam ser praças, parques públicos, locais para corrida, caminhada e outros esportes", diz o professor.

Nas noites de quarta-feira, praticantes de corrida de rua se misturam a pedestres nas calçadas da avenida Paulista.

Eles integram o Vem com nóis, uma comunidade que há mais de sete anos incentiva a prática da corrida de rua. O grupo chega a reunir cerca de cem pessoas.

A atividade, que é gratuita, acontece em via pública. O coletivo faz um aquecimento na praça Oswaldo Cruz, no Paraíso, zona sul paulistana, às 20h. Depois, corre até a altura do Masp (Museu de Arte de São Paulo) e retorna ao ponto de largada, sempre pelas calçadas da avenida Paulista. A orientação dos instrutores é não deixar ninguém para trás e respeitar a sinalização para a travessia das ruas.

Para Caio Bellentani, 27, idealizador e diretor da iniciativa, a corrida é um movimento esportivo e de expressão cultural.

"Além do esporte e da diversão, nós relacionamos a corrida com a cultura. A Paulista é o coração de São Paulo, onde tudo acontece. De uns tempos para cá, a avenida também se tornou um local de corrida. Há vários outros grupos e outras pessoas que correm por ali", afirma.

Ricardo Barbosa da Silva, da Unifesp, também cita a as repercussões na saúde pública. "São Paulo é uma cidade muito dura, onde não pode perder tempo e o lazer e a cultura são deixados de lado. Isso se reflete lá na frente, com gastos em saúde pública. É fundamental que as pessoas tenham espaço adequado, seguro e convidativo para a prática do lazer."

Por meio de nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que disponibiliza orientações para o pedestre em geral e mencionou a Cartilha do Pedestre, uma publicação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em parceria com entidades da causa da mobilidade a pé. A cartilha não aborda o tema corrida de rua.

A prefeitura também afirmou que há 111 parques municipais em São Paulo, em todas as regiões, sobretudo nas periferias. "Os frequentadores podem correr dentro das áreas verdes e, na maior parte delas, há inclusive caminhos específicos para a prática da atividade", disse a gestão, que não comentou as críticas sobre as más condições de calçadas.


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