SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Prefeitura de São Paulo publicou uma minuta para a revisão da lei de zoneamento da cidade com mudanças que podem aumentar a pressão imobiliária sobre vilas de casas e flexibilizar a construção de lojas no piso térreo de prédios residenciais.

Essas e outras propostas estão em um documento disponibilizados no site da prefeitura na última sexta-feira (5). O texto deve passar por discussão em uma audiência pública virtual e duas reuniões com colegiados, uma com a Câmara Técnica de Legislação Urbanística e outra com o Conselho Municipal de Política Urbana.

Após essa última fase de discussão, o texto será apresentado à Câmara Municipal na forma de projeto de lei.

A publicação da minuta que altera a lei de zoneamento está sendo criticado por ocorrer enquanto os vereadores ainda discutem a revisão do Plano Diretor, conjunto de regras que orientam o crescimento da cidade. O Legislativo municipal tem feito uma série de audiências com a população para discutir o tema.

O problema é que a lei de zoneamento interfere no Plano Diretor, e vice-versa.

O plano ainda pode ser alterado pelos vereadores, daí a reclamação de que a tramitação ocorre de forma atrapalhada.

"Isso está sendo discutido de uma maneira muito estranha", disse a presidente do conselho da Associação de Moradores do Alto de Pinheiros, Inês Barreto.

"A prefeitura ficou nos pedindo opiniões, mas eles mesmo não mandaram nenhuma proposta em cima do que deveríamos discutir. O que ficamos fazendo esse dois anos? Nada. É uma coisa muito mal feita, e agora eles mandam essa proposta do zoneamento enquanto não terminamos de discutir o Plano Diretor.

VILAS

As vilas e vias sem saída -que se caracterizam por casas vizinhas que compartilham as paredes e telhados, pátio central e uma só via de acesso- hoje têm regras próprias no zoneamento feitas para proteger suas características.

A não ser que estejam em zonas por onde passam metrô ou corredores de ônibus, as construções em um raio de 20 metros ao redor das vilas (a chamada "faixa envoltória") devem ter no máximo 15 metros de altura. Isso porque o Plano Diretor definiu que as áreas onde há mais transporte público devem concentrar a verticalização da cidade -e, ali, é permitido construir até 28 metros de altura nas faixas envoltórias das vilas.

A lei proíbe que os terrenos de uma vila sejam incorporados ao entorno. Agora, a proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) é mudar essa última regra: seria permitido integrar os terrenos das vilas a lotes do entorno, desde que todas as casas ali dentro sejam demolidas.

A minuta também propõe que a altura máxima das construções nas vilas e vias sem saída suba para 28 metros se estiverem nas ZC (Zonas de Centralidade) e as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) -regra que hoje só vale para áreas ao lado de corredores de transporte.

"Se eu sou uma incorporadora imobiliária, compro a vila inteira, e agora posso construir até 28 metros, quando antes poderia construir só até 15 [metros]", exemplifica Bianca Tavolari, professora do Insper e uma das coordenadoras do Observatório do Plano Diretor.

As ZC funcionam como centros comerciais, que incluem as ruas mais importantes da região e concentram serviços para todo o bairro. Elas misturam comércio, serviços e residências. Há uma ZC, por exemplo, entre as ruas Capote Valente, Artur de Azevedo, Dr. Virgílio de Carvalho Pinto e a avenida Paulo VI, na região de Pinheiros.

Já as ZEIS são áreas destinadas à moradia para população de baixa renda. Há várias dessas zonas na região central da cidade, como os quarteirões dos Campos Elíseos e Barra Funda mais próximos à linha do trem e grandes porções dos bairros da Luz e do Canindé.

O vice-presidente de assuntos legislativos e urbanismo metropolitano do Secovi (sindicato das construtoras), Ricardo Yazbek, diz que a mudança na incorporação de vilas não era prioridade quando a revisão do zoneamento foi debatida em audiências públicas, em 2018.

A revisão chegou a ser paralisada por uma liminar na Justiça, e foi liberada no fim do ano passado. A prefeitura diz que fez adaptações à minuta anterior, apresentada há cerca de quatro anos, para adequá-la à proposta de Plano Diretor.

"Se todos os proprietarios da vila resolvem vender as casas, me parece que faz sentido poder remembrar para lotes vizinhos porque ela descaracterizou, não é mais uma vila", diz Yazbek.

Ele lembra que, nas ZC, a altura máxima hoje é de 48 metros, portanto o entorno das vilas ainda ficaria abaixo do limite do bairro. Em ZEIS, não há limite de altura para os edifícios.

A psicóloga Angela Gouveia, 65, já prevê uma nova investida de construtoras sobre a vila de quatro casas onde seus pais moram na rua Joaquim Antunes, em Pinheiros, na zona oeste da capital. A área, que não é tombada, já recebeu propostas de compra no fim dos anos 1990 que foram recusadas pelos moradores.

"Com certeza os interessados devem voltar agora, se essa nova regra passar", diz Gouveia, que quer manter a casa como propriedade da família. "Aqui é um sossego, gostamos da tranquilidade de morar dentro de uma vila."

Na Aclimação, um conjunto de cerca de 20 casas na rua André Gouveia está sendo lentamente cercado por prédios. A consultora Jéssica Liu, 42, tem uma grande janela na sala com vista para a pequena vila, onde se ouve o ruído de um córrego e quase não há tráfego de motos e veículos.

No segundo semestre do ano passado, um empreendimento imobiliário tomou o lugar de algumas casas em uma das esquinas próximo à vila. "É meio óbvio que eles [as incorporadores] estão vindo para cá, porque aqui é uma área de casas e prédios muito baixos, e no entorno só tem prédios muito altos", diz Liu.

Há uma outra vila de casas a poucos metros de distância, e as duas áreas se encaixariam na mudança de regras proposta pela prefeitura, pois não estão protegidas por tombamento.

Questionada, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento disse que a minuta "não representa nenhuma ameaça a vilas reconhecidas por órgãos de defesa do patrimônio como valor cultural ou histórico da cidade", mas não comentou a alteração de regras para áreas que não tenham esse status.

"Imóveis ou vilas tombados têm sua preservação assegurada em regramentos específicos, ou seja, a proposta do Município de ajuste na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo não traz nenhuma alteração para essa situação", disse a gestão municipal.

FACHADA ATIVA

Hoje, o Plano Diretor estimula a criação de espaços para comércios integrados às calçadas no piso térreo de edifícios, residenciais ou comerciais. A ideia das fachadas ativas é evitar edifícios cercados por paredes cegas e estimular a circulação de pessoas, contribuindo inclusive para a segurança.

A lei de zoneamento estimula essas construções ao considerar a fachada ativa como área não computável (ou seja, não é considerada no cálculo que define se um prédio atingiu ou não o limite de construção, uma vantagem para o proprietário). Hoje, essas lojas devem ocupar no mínimo 25% da área de cada lado do edifício que seja voltado para a rua.

A prefeitura agora propõe que os prédios possam instalar lojas em apenas um lado do lote, e não mais em todos, para que se enquadrem como área não computável.

O mercado imobiliário, em princípio, é favorável à mudança. "O que nós temos visto é que está começando a sobrar lojas vazias em vários locais, por não terem demanda", conta Yazbek, do Secovi. "A exigência faz com que se coloque lojas numa via que não tem apelo comercial, então se não houver obrigatoriedade para instalar a fachada ativa em todas as vias, me parece saudável."

Em nota, a secretaria disse que a proposta vai aperfeiçoar a aplicação da fachada ativa na cidade. "O objetivo da prefeitura é oferecer mais opções para o devido atendimento a esse parâmetro qualificador".


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