SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Às margens do estuário de Santos e afastado da orla endinheirada de Guarujá, o distrito de Vicente de Carvalho foi palco de diversos confrontos da Operação Escudo, somando 10 das 16 mortes contabilizadas na operação da Polícia Militar deflagrada há pouco mais de uma semana em resposta à morte do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Patrick Bastos Reis, no final de julho.
A região, que em boa parte é formada por bairros oriundos de ocupações irregulares --alguns em áreas de mangue--, tem cerca de 152 mil moradores, e convive com insegurança e falta de estrutura, além de colecionar relatos de violência.
Bairros como Pae Cará (o mais populoso da região), Morrinhos, Sítio Conceiçãozinha e Prainha foram alguns dos que registraram mortes. Desde o início da operação, moradores relatam --sob condição de anonimato-- que a sensação é de estar sob fogo cruzado entre criminosos e policiais.
Até o momento, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), chega a 121 o número de presos pela Polícia Militar e 26 por policiais civis, totalizando mais de 147 suspeitos detidos na operação --que deve durar 30 dias.
Mesmo antes da operação, o distrito já registrava alta de crimes.
Nos seis primeiros meses de 2023, o 2º DP, principal delegacia do distrito, viu o número de roubos praticamente dobrar. Foram registrados 358 casos neste ano ante 181 no mesmo período de 2022. Já os furtos saltaram de 226 para 308 no mesmo período (alta de 36%).
Já casos de homicídios, até antes da operação, registravam queda. Foram três ocorrências no primeiro semestre de 2023, um amenos que os quatro registrados até a metade de 2022.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o policiamento na região tem sido intensificado para coibir crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas. No primeiro semestre do ano, 39 pessoas foram presas em flagrante em Vicente de Carvalho, segundo a pasta. Em toda a Baixada Santista, a secretaria diz ter apreendido 4,7 toneladas de drogas no mesmo período.
Lar de Lula na infância, distrito ganhou nome de político
Segundo o geógrafo Luiz Paulo Neves, sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o crescimento populacional do distrito se deu de forma acelerada a partir do fim da década de 1940, com a expansão do Porto de Santos.
Foi nessa época que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda criança, desembarcou com a família no distrito de Guarujá --onde morariam por mais quatro anos até se mudarem para a capital paulista.
Em 1953, a região ganhou o nome do poeta, político, jurista e jornalista Vicente de Carvalho.
Nascido em Santos, município vizinho a Guarujá, Carvalho utilizava frequentemente a travessia de barcas entre as cidades, aportando em Itapema, nome dado à fortificação construída para a proteção do Porto e ao local que abrigava uma colônia de pescadores. A modificação ocorreu por ordem do governador Adhemar de Barros.
A construção de prédios na orla de Santos e uma tragédia em 1956 --que atingiu os morros-- contribuiu para levar ainda mais gente para Vicente de Carvalho, que tem área plana.
Segundo dados do IBGE, entre as décadas de 1960 e 1970, o crescimento populacional de Vicente de Carvalho atingiu 148,7%, saltando de 24 mil para 59 mil habitantes. No início da década de 1990, o número já havia ultrapassado 100 mil. Em 2010, segundo o IBGE, a região já tinha mais de 150 mil habitantes.
O acentuado crescimento populacional teve como consequência um extenso processo de favelização no bairro. Uma das comunidades mais antigas é a favela do Caixão, que se estabeleceu de forma inusitada na década de 1970: pelas construções de barracos com madeiras dos caixões furtadas do Cemitério da Consolação.
"Vicente de Carvalho estaria para o Guarujá, tal qual a zona leste para São Paulo. Tem algumas boas áreas no centro, na Vila Alice, na região do comércio, que se estabeleceram por ali por conta de ser o ponto de chegada das pessoas que vem de barca, mas o restante são lugares que cresceram com extrema vulnerabilidade social", disse Neves.
"Até dez, doze anos [atrás], poucas ruas eram asfaltadas. Só há uma delegacia, não há ginásio esportivo, nem teatro. Pouca estrutura para um lugar extremamente populoso. Era difícil chegar, foram esquecidos", completa.
Histórico de violência
Em 2013, uma agência do Banco do Brasil, localizada na avenida Thiago Ferreira, considerada a mais importante da região, virou notícia em todo o país após colar um aviso na porta de vidro informando que não aceitaria mais pagamentos em dinheiro após seguidos assaltos.
"Por motivos de segurança pública, a partir desta data esta agência não fará mais pagamentos ou recebimentos no caixa com dinheiro, assim como não processaremos mais depósitos de dinheiro e cheques", informava o recado.
A região voltou ao noticiário policial no ano seguinte, quando um boato iniciado na internet levou à morte a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada por moradores do bairro Morrinhos. Ela foi acusada de sequestrar crianças para a realização de rituais de magia negra com base em imagens divulgadas em mensagens que circulavam pela comunidade.
No último ano, 15 criminosos fortemente armados invadiram uma agência bancária e tentaram explodir três caixas eletrônicos. Houve troca de tiros com a PM antes da fuga.
Também em 2022, uma tentativa de roubo a um supermercado na avenida Santos Dumont, próximo a praça Quatorze Bis, deixou uma mulher morta após ser baleada.
Em maio desse ano, um catador de material reciclável morreu após ser brutalmente espancado na região. Três suspeitos do crime estão presos a pedido da Justiça, e a investigação apura a hipótese de que as agressões teriam sido encomendadas pela ex-namorada da vítima.
Região pode ganhar aeroporto
Em meio aos relatos de violência, o distrito tem projeção de crescimento e ainda sonha, desde 2013, com a emancipação. O projeto de lei foi vetado neste mesmo ano pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Em junho deste, a prefeitura já assinou o edital de obras para um aeroporto no distrito. As obras iniciais custarão R$ 21,3 milhões --incluindo verbas federais-- para receber voos de aeronaves com até 72 passageiros. Ainda não há prazo para início de funcionamento.
O projeto de túnel submerso que fará a ligação seca entre Santos e Guarujá também terá parte do trajeto passando por Vicente de Carvalho. Segundo a SPA, autoridade que faz a gestão do Porto, o investimento previsto é de R$ 5 bilhões, com obras para 2024.
(colaborou Leonardo Zvarick)
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