Mulheres periféricas transformam as vivências em arte e estão presentes nas galerias da ArtRio, uma das maiores feiras de arte do Brasil. O evento, que está na 13º edição, conta neste ano 75 galerias e instituições de arte e espera mais de 100 colecionadores e curadores convidados do Brasil e de outros países, que estão com presença confirmada.
Priscila Roxoo, representada pela Galeria Francisco Fino, de Lisboa, é um dos destaques. Suas obras trazem o funk, o boteco, as corridas de mototáxi e o carnaval, sempre ao lado das amigas. Além disso, abordam questões como a gravidez na adolescência e a sobrecarga das mulheres com trabalhos domésticos e com a família, que muitas vezes as afastam de outras atividades, como a pintura.
Priscila é natural de São João do Meriti e atualmente mora em Mesquita, na Baixada Fluminense. Tem 21 anos e começou a pintar com 15. Na abertura da ArtRio, ela percorre o estande mostrando cada uma de suas pinturas e deixa claro: "Todas as mulheres são minhas amigas, todo mundo da tela é alguém." As amigas não estavam presentes apenas nas telas, estavam ao lado da artista na exposição.
"A gente traz a parte exclusiva da cidade, traz o que as pessoas não querem ver, onde não estão a fim de ir. A gente traz para esse espaço. E não só as obras, trago as meninas, para elas também se sentirem representadas nesse espaço. São nossos corpos percorrendo aqui a feira, os museus, as galerias", diz a artista.
Ela ressalta que é importante mulheres se expressarem por meio da arte e trazerem questões específicas de suas vivências. "Enquanto estamos vendo a ascensão de artistas homens falando das suas comunidades e periferias, pouco vemos mulheres falando sobre suas perspectivas. Nossos problemas são outros, nossos problemas são gravidez precoce, união conjugal, a venda dos nossos próprios corpos, assim como os olhares para a gente, o que as pessoas esperam, ou não esperam, da gente, além das nossas imensas tarefas domésticas, com filho. Tudo isso atravessa o corpo de uma mulher. Não só uma mulher periférica, mas ainda mais uma mulher periférica."
As obras de Priscila Rooxo estão no Espaço Panorama, dedicado a galerias com atuação estabelecida no mercado de arte moderna e contemporânea. No Espaço Solo estão 16 galerias com projetos expositivos originais dedicados a um único artista. Panmela Castro é uma delas.
Ela traz uma série de pinturas de artistas em seus ateliês. "É uma coleção dos meus amigos, dos artistas que tenho como referência. Eu costumo visitar o ateliê deles e, a partir desse encontro, eu produzo a pintura que mostra o retrato do artista e mostra as obras que eles estão produzindo no momento", diz Panmela, que explica: "É um momento íntimo, como entrar na casa das pessoas é entrar no ateliê para o artista."
Segundo ela, a escolha dos artistas a serem retratados se dá por "deriva afetiva", ou seja, algo que não é planejado e ocorre pela conexão que se estabelece nas visitas. Em uma das telas, está uma ex-aluna bem conhecida: Priscila Rooxo. "Priscila foi minha aluna na Rede Nami, que usa as artes para promover os direitos das mulheres, que oferece cursos de liderança e de direitos humanos. A gente usa a arte como ferramenta para chegar nessas moças e, lógico, muitas delas se tornam artistas, como a Priscila se tornou."
Panmela sabe do poder da arte de transformar vidas, sobretudo das mulheres. Em 2004, a artista foi vítima de violência e mantida em cárcere privado pelo ex-companheiro. Foi resgatada pela família, mas continuou sendo perseguida por ele. Era junto aos grafiteiros que ela se sentia protegida. Após a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006, Panmela juntou-se a outras mulheres, que formaram a Rede Nami, em 2010.