BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Diante da possibilidade de Flávio Dino ser indicado a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), especialistas apontam que ele pode deixar o ministério que comanda há menos de um ano sem uma marca própria na segurança pública.

A avaliação é que as iniciativas até aqui implementadas pela pasta são mais ações paliativas do que políticas para melhorar o setor e para reduzir os índices de criminalidade. Essas medidas incluem respostas emergenciais para lidar com crises, como o 8 de janeiro, os ataques a escolas, o garimpo ilegal na Amazônia, além de operações conjuntas com estados e municípios.

Levantamento realizado pela reportagem mostra que os principais programas anunciados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública pouco andaram. O PAS (Programa de Ação na Segurança) contempla uma série de ações, entre as quais o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania).

Criado durante o segundo mandato de Lula (PT), o Pronasci está sendo retomado com o propósito de diminuir os números da violência e fomentar a cidadania.

Até o momento, porém, as ações realizadas sob o selo do programa incluíram o lançamento de um edital para projetos culturais, a distribuição de equipamentos de segurança em todo o país, incluindo viaturas, e o anúncio da construção de Casas da Mulher Brasileira.

Outra bandeira de Lula na campanha, a política de armas passou por mudanças significativas na gestão de Dino, com um novo decreto sendo assinado pelo mandatário.

Entretanto, o processo de transferência das pessoas com registro de CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) do Exército para a Polícia Federal é lento e só deve terminar em janeiro de 2025. Além disso, a pasta precisa lidar com a reivindicação da corporação policial por mais cargos.

De acordo com Luís Flávio Sapori, especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, caso Dino deixe a pasta nas próximas semanas, sua gestão provavelmente será lembrada como eficaz na administração de crises.

"Ele gerenciou muito bem as crises que se avolumaram nesses nove meses, porém, ele peca em não ter sinalizado um plano estratégico para todo o período do governo Lula", disse.

"Ele tende a deixar uma marca de bom gestor de crises, foi o ministro do governo Lula que mostrou competência para lidar com situações mais complicadas, isso, no meu ponto de vista, está potencializando a candidatura para o Supremo."

O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Especialistas concordam que Dino perdeu a oportunidade de pôr em prática o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), lei aprovada em 2018 que ainda patina para sua completa implantação. Essa legislação estabelece uma nova estrutura de gestão da segurança pública, na qual o plano de ação deve ser elaborado em colaboração com os estados e municípios.

Esse modelo assemelha-se ao que acontece na área da saúde, em que o Ministério da Saúde, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) trabalham em conjunto, com as políticas sendo primeiro acordadas entre eles antes de sua implementação.

"O conjunto de ações apresentado pela pasta hoje não altera a realidade da segurança pública. Nós não temos visto neste governo nenhuma ação efetiva para tentar conter o crime organizado. Nós temos mais de 50 facções operando no país, levando o terror a Fortaleza, atuando na Bahia", disse José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo e membro do Conselho da Escola de Segurança Multidimensional da USP.

"A expectativa que a gente tinha é que se aproveitasse um plano bem-feito durante o governo Temer [SUSP]. A partir da aprovação da lei foi feito um plano, estabelecido por decreto, com um conjunto de iniciativas programadas para cuidar de homicídios, fronteiras e crime organizado", disse.

Segundo secretários de segurança pública dos estados ouvidos reservadamente pela Folha, houve melhora do diálogo com os estados, porém ainda não estão em curso discussões em nível nacional sobre políticas que efetivamente solucionem questões cruciais do setor na base, entre as quais a criminalidade entre jovens.

Rafael Alcadipani, professor da FGV na área de segurança pública, compartilha da mesma perspectiva de José Vicente da Silva Filho. Na opinião dele, caso o ministro deixe o cargo neste momento, ele não conseguirá exibir uma marca. Uma das críticas é a falta de coordenação eficaz com os estados no combate ao crime organizado.

"A Polícia Federal é bastante atuante, especialmente na questão da Amazônia, que não tinha tanto destaque. No entanto, os eventos de 8 de janeiro, ataques às escolas não podem ser uma desculpa para negligenciar o combate ao crime organizado", disse.

Além das questões mencionadas anteriormente, a gestão de Dino não abordou temas sensíveis, como a reestruturação de carreiras das forças de segurança.

Ainda não foi dada uma resposta conclusiva para o caso Marielle Franco e sua gestão enfrentou uma crise na PRF (Polícia Rodoviária Federal) após a morte da menina Heloisa dos Santos Silva, 3, baleada durante abordagem da corporação, vinculada ao Ministério da Justiça.

Conforme mostrou a Folha, membros do PT têm expressado críticas à atuação do ministro e articulam para dividir a pasta, com o objetivo de recriar o Ministério da Segurança Pública, mesmo que Dino não seja indicado para o Supremo.

Embora o tema seja tratado com discrição dentro do ministério, uma disputa interna pela liderança da pasta já está em andamento.

Entre os nomes que estão sendo considerados para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública aparecem os do secretário Nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, do secretário-executivo da pasta, Ricardo Cappelli, e do secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous. Outro mencionado é o do coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho.


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