SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O valor gasto pela Prefeitura de São Paulo com obras emergenciais, que não exigem licitação, teve um crescimento de 10.400% em cinco anos. O valor aumentou de R$ 20 milhões em 2017 para R$ 2,1 bilhões no ano passado, primeiro ano completo da gestão Ricardo Nunes (MDB).

Na comparação com 2020, último ano completo de Bruno Covas (PSDB) no comando do município, o aumento foi de 1.313% em relação a 2022 --o emedebista assumiu o cargo em maio de 2021, após a morte do tucano. A inflação de 2017 a 2022 foi de 35%, segundo índice do IBGE.

Os números fazem parte de uma auditoria feita pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) em contratos das secretarias municipais de Infraestrutura Urbana e Obras e de Subprefeituras, pastas que concentram os contratos emergenciais.

Procurado, o prefeito atrelou o documento a interesses eleitorais --ele deve disputar a reeleição no ano que vem. "Não há que se falar em superfaturamento, é uma irresponsabilidade fazer isso. Vai chegando perto da eleição, todo mundo vai ficando exaltadinho", disse Nunes.

Em nota, a prefeitura afirma ainda que "o aumento na contratação de obras emergenciais se deu por conta das demandas encaminhadas pelas subprefeituras à Secretaria [de Infraestrutura Urbana e Obras], bem como pelo agravamento das situações de risco em encostas e margens de córregos, principalmente nas regiões periféricas".

A administração diz também que os acordos ocorrem somente após vistorias da Defesa Civil e de engenheiros da pasta, que atestam o risco iminente, e o parecer jurídico assinado por um procurador do município.

A legislação permite a dispensa de licitação somente em casos de emergência ou calamidade. Roberto Dias, advogado e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo, afirma que o modelo oferece riscos à transparência e à economicidade na administração pública.

A licitação, por outro lado, tem como objetivo preservar o patrimônio público e gerar igualdade na concorrência, diz. "Quando se notam gastos enormes [com obras emergenciais], houve mal planejamento ou há possível desvio de finalidade, fazendo gastos acima das exigências legais da licitação", afirma.

A reportagem teve acesso ao relatório do TCM, que foi concluído em abril deste ano e que faz parte de um processo ainda em andamento. No documento, os técnicos do tribunal dizem que a auditoria nos contratos "justifica-se devido ao aumento expressivo de contratações diretas por meio de dispensa de licitação em casos de emergência ou calamidade pública".

Os auditores analisam agora as respostas enviadas pela gestão Nunes. "Quando a instrução do processo for concluída, ele será levado para a deliberação do plenário", diz o TCM.

O aumento dos contratos sem licitação está concentrado na Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras, responsável no ano passado por 98% dos gastos emergenciais no ano passado.

Em 2017, ainda na gestão João Doria (então no PSDB, hoje sem partido), a pasta gastou R$ 10 milhões com ações emergenciais. O valor foi de R$ 90 milhões em 2019, quando o prefeito era o também tucano Bruno Covas. Em 2020, ficou em R$ 80 milhões.

Em 2021, ano no qual Nunes assumiu a prefeitura, esse tipo de gasto na secretaria aumentou para R$ 420 milhões, valor que chegou a R$ 2,06 bilhões no ano passado.

Na pasta de Subprefeituras, o valor passou de R$ 10 milhões em 2017 para R$ 60 milhões em 2022 --em 2019, ele foi ainda mais alto, de R$ 90 milhões.

"Essa situação evidencia que o aumento de recursos da Siurb [sigla da secretaria] no período foi direcionado para as obras emergenciais", aponta o relatório.

De acordo com o levantamento do órgão, a maior parte das contratações com dispensa de licitação é feita em regiões mais afastadas do centro e nas quais há longo histórico de problemas. Isto, na visão dos auditores, é consequência do crescimento desordenado da cidade.

"Seja pela construção de moradias ao longo da margem dos córregos, seja pela ocupação de áreas íngremes sujeitas a escorregamentos", diz o relatório.

VALORES DIRECIONADOS A DEZ EMPRESAS

Ações para contenção de margem de córrego representam mais da metade das 155 obras contratadas de forma emergencial até junho de 2022. Segundo o TCM, 60% dos valores investidos com dispensa de licitação foram direcionados a dez empresas.

Ao todo, elas respondem por 63 intervenções. A primeira deste ranking detém 11 vínculos sem licitação com as duas pastas.

A prefeitura afirma que a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras já prestou explicações ao TCM. Diz ainda que "as empresas contratadas são previamente cadastradas na secretaria de acordo com suas características técnicas, determinadas pelo Certificado de Registro Cadastral (CRC)".

A auditoria concluiu que, em 90% dos casos, houve falta de planejamento da pasta para resolver problemas históricos, o que chama de "emergência fabricada".

Os agentes realizaram diligências em 18 obras e constataram superfaturamento com prejuízos de R$ 67 milhões ao erário e R$ 39 milhões em serviços injustificados.

Segundo o relatório do TCM, uma série de obras poderiam ter sido feitas com licitação. A lista inclui a recuperação da ponte da Freguesia do Ó e as de contenções dos córregos Lajeado, Ribeirão Itaquera e Água Vermelha.

Já em outros casos, os auditores consideraram que a obra feita inicialmente de fato era emergencial, mas que serviços complementares poderiam ter sido licitados. É o caso, por exemplo, do córrego Diniz, no talude na rua Santa Cecília, e na ponte da Freguesia do Ó

O relatório também aponta que mais da metade das obras descumpre o prazo de 180 dias para conclusão, estabelecido pela Lei de Licitações para contratos emergenciais. A prefeitura disse que o prazo pode ser "prorrogado conforme consta em jurisprudência do TCU (Tribunal de Contas da União)".

O TCM afirma, ainda, que a secretaria não realiza pesquisa de preços das obras emergenciais. "De sorte, que os valores não estão justificados", concluem os auditores.

A gestão Nunes disse que "todas as obras foram acompanhadas de forma eficaz pelos engenheiros fiscais da Siurb, sem quaisquer intercorrências".

Nesta semana, a bancada feminista do PSOL pediu que o Ministério Público apure possível prática de improbidade administrativa de Nunes com o superfaturamento de R$ 67 milhões.


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