SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil possui 292 Caps (Centros de Atenção Psicossocial) dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes, com vazios assistenciais em diferentes regiões. Acre, Roraima e Tocantins não contam com nenhuma unidade, enquanto Alagoas, Amapá e Rondônia têm apenas uma.

Mesmo em estados como São Paulo, que possui 79 Caps infantojuvenis, a demanda é muito grande, afirma Valéria Campinas Braunstein, conselheira do Conselho Regional de Psicologia.

Pela lei, os Caps i atendem crianças e adolescentes que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida, como alguns pacientes no espectro autista.

O Ministério da Saúde reconhece que é preciso ampliar o serviço. "Sabemos que ainda é pouco", afirma Sonia Barros, diretora do Departamento de Saúde Mental e professora sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Ela ressalta, porém, o aumento do financiamento e os incentivos para que as prefeituras solicitem a instalação de Caps infantojuvenis. Desde janeiro, foram habilitadas oito unidades, e uma já existente solicitou alteração de funcionamento para atender adultos.

"Temos discutido a possibilidade de consórcio, juntar dois ou três municípios pequenos que não conseguem ter um Caps i e articular um serviço de referência para a região", exemplifica a diretora. Esse tipo de Caps é indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil habitantes.

A expansão é uma das necessidades para o cuidado à saúde mental de crianças e jovens. Como a Folha de S.Paulo mostrou, cidades como São Paulo e Curitiba registram aumento casos de autoagressão e tentativa de suicídio nesse público e a complexidade do problema demanda ações em várias frentes.

FAMÍLIAS PRECISAM DE AJUDA

Helena (nome fictício), 59, é a única da família que concede entrevista sobre o que aconteceu. Em 6 de março de 2020, sua neta de 14 anos cometeu suicídio. A mãe da jovem, então com 34 anos, não suportou e tirou a própria vida pouco depois, em 2 de junho.

"Ficamos confusos. Passam mil coisas na cabeça. Será que ela tinha depressão e a gente não percebeu? Será que estava gostando de alguém e ficou com medo de contar? Às vezes, os adolescentes acham que são graves coisas que não são."

Sua certeza é que a neta estava sentindo algo que ninguém conseguiu perceber. Por isso, ela defende a presença de psicólogos nas escolas e nas unidades de saúde. "Às vezes, a criança não quer preocupar o pai, a mãe", diz. "A mãe está ali, mas não sabe o que está passando na cabeça do filho."

Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e criadora do Mapa da Saúde Mental, que lista serviços públicos de apoio, defende a importância do acesso a essas informações pelas famílias.

"Pai, mãe, quando se depara com esse assunto, deve buscar informações, tentar entender antes de julgar. Pode sentir medo, é normal, mas deve buscar o que leva a essa situação e, se tiver acesso a um profissional da saúde mental, levar a criança para uma avaliação."

ESCOLAS PODEM LIDAR COM EMOÇÕES

Scavacini defende a adoção de protocolos nas escolas. Assim, os professores poderiam saber previamente como vão lidar com a situação, desde a identificação de alunos que precisam de atenção especial até o encaminhamento para profissionais ou serviços especializados, e os estudantes saber a quem recorrer, com quais funcionários podem falar sobre assuntos que os afligem.

Ela e Braunstein também advogam por aulas de educação emocional -para os alunos aprenderem a lidar com frustrações, entenderem seus limites e avaliarem quando é necessário pedir ajuda- e pela presença de psicólogos nas unidades de ensino e nas instituições que atendem crianças no contraturno escolar.

"Não podemos trabalhar somente com uma psicologia remediativa. Precisamos trabalhar com uma psicologia preventiva, que vai poupar aquela criança de tanta dor a ponto de ela chegar a se autolesionar e querer acabar com a própria vida", diz Braunstein.

Segundo Barros, um grupo interministerial tem discutido a necessidade de psicólogos nas escolas. Ainda não há um parecer, mas os participantes entendem que os colégios precisam acolher e ouvir os alunos.

"A escola tem que ter o seu ponto focal, alguém com quem as crianças possam conversar, independentemente de ser psicólogo", afirma. "Não se trata de fazer terapia na escola, porque a intervenção terapêutica está fora, na unidade de saúde, no Caps. Mas fazer, sim, essa intervenção de escuta, mediação e encaminhamento."

A diretora destaca também a importância das políticas intersetoriais para enfrentar aspectos sociais que causam sofrimento, como violência escolar, bullying e falta de renda.

"Está mais do que provado que a discriminação, o racismo e a LGBTfobia são determinantes de agravo à saúde mental. Atuar nessas situações é fazer prevenção de suicídio e de agravamento de doença mental."

GESTORES DEVEM AMPLIAR ATENDIMENTO

Outras medidas recomendadas são a inclusão de psicólogos nas equipes de Saúde da Família e a contratação de profissionais para os serviços já existentes.

"As UBSs têm seus psicólogos, mas em quantidade insuficiente para acompanhar o desenvolvimento da criança e do adolescente. Trabalhei em posto de saúde com 80, 90 pacientes para um profissional", conta Braunstein.

Para ela, o mais acertado seria o acompanhamento individualizado, em parceria com a pediatria. "Quem tem filho leva ao pediatra várias vezes nos primeiros anos de vida, mas ao psicólogo a criança só vai quando apresenta alguma questão. O ideal seria acompanhar desde o princípio, entender como está a relação mãe e bebê, observar sinais de depressão pós-parto e a relação dos pais com a criança."

O aumento no número de serviços de saúde com equipe multidisciplinar, incluindo psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, também é fundamental.

"Ter mais Caps seria ter mais para o mesmo. O que precisamos é ter mais equipamentos, com melhor distribuição pelo Brasil e que ofereçam aos pacientes um atendimento completo para as suas necessidades em todos os períodos e com abordagens específicas", defende Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Por fim, os especialistas cobram a aplicação da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, sancionada em abril de 2019. Entre outras medidas, a lei prevê a notificação compulsória de violência autoprovocada e a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde quanto ao sofrimento psíquico.

De acordo com Sonia Barros, o Ministério da Saúde está organizando um programa de educação permanente para todos os trabalhadores da rede de saúde mental. "Estamos cuidando da saúde mental das crianças e adolescentes, mas sempre numa perspectiva de que podemos fazer e faremos melhor."



Onde procurar ajuda para crianças e adolescentes?

Unidades Básicas de Saúde

A orientação do Ministério da Saúde é buscar atendimento nas UBSs, onde os casos são avaliados e, se necessário, encaminhados para serviços especializados.

Caps Infantojuvenis (Centros de Atenção Psicossocial)

Os pais ou responsáveis podem levar o jovem diretamente ao Caps Infantojuvenil, que fará a avaliação e, se o caso for mais simples, reencaminhará o jovem à UBS do bairro.

Mapa da Saúde Mental

O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos ou voluntários realizados por ONGs, e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.

CVV (Centro de Valorização da Vida)

Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia no número 188, por chat, por email ou diretamente em um posto de atendimento físico.

Pode falar

Canal de ajuda criado pelo Unicef para que tem de 13 a 24 anos. Além do atendimento personalizado, reúne depoimentos, dicas, testes e guias de autocuidado.

Getty Imagens - Criança com Retinoblastoma

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