RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Em 14 de fevereiro deste ano, a foto de um homem sangrando, sentado no banco traseiro de um carro com pistolas apontadas para seu rosto foi publicada em uma rede social. O usuário que fez a postagem afirmou que ele estava sendo levado da Gardênia Azul, na zona oeste do Rio de Janeiro, até o Complexo da Penha, comunidade da zona norte, distante 26 quilômetros.

Suspeito de ser colaborador da polícia, o homem teria sido levado de uma área dominada pela milícia até a principal base do Comando Vermelho, onde seria morto por traficantes, dizia a publicação. O carro que o levava teria transitado, em plena luz do dia, a Linha Amarela, uma das principais vias expressas da cidade.

A polícia não conseguiu identificar a vítima. A foto, no entanto, serviu como base para a Delegacia de Homicídios pedir à Justiça a quebra de sigilo telemático de suspeitos de integrar uma organização criminosa dissidente de milicianos e que teria feito uma aliança com os chefes do Comando Vermelho, no ano de 2021.

Com a autorização judicial concedida, os perfis em redes sociais desses suspeitos passaram a ser monitorados. Na madrugada de quinta (5), a polícia capturou postagens referentes a um crime que chocou o país: o assassinato a tiros de três médicos que confraternizavam em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste.

Nas mensagens, os criminosos comemoravam terem supostamente matado Taillon Alcântara Pereira, acusado de integrar a milícia de Rio das Pedras, onde surgiu o primeiro grupo do tipo do estado, na década de 1990.

A polícia trabalha com a tese de que os atiradores confundiram um dos médicos, o ortopedista Perseu Almeida, 33, com Taillon. Além da fisionomia semelhante, Taillon mora em um apartamento localizado a 220 metros de onde as vítimas estavam. E, desde o dia 26 de setembro poderia sair de casa, quando passou da prisão domiciliar para a condicional. Os atiradores, ao tomarem conhecimento do engano, teriam apagado as publicações.

Segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, a união entre uma parte dissidente da milícia da Gardênia Azul com traficantes, originando o que a polícia chama de narcomilicianos, ocorreu em 2021.

O termo narcomiliciano passou a ser usado pelo governo Cláudio Castro (PL) para designar qualquer organização criminosa na cidade. No entanto, é utilizado por uma parte de investigadores para qualificar regiões onde há aglutinação específica do tráfico com milicianos, caso da Gardênia Azul.

Há dois anos, milicianos de apelidos Boto, Playboy e Andinho entraram em discordância interna com os milicanos de apelido Gargalhone e de Philip Pereira, o Lesk. Esses últimos contavam com o apoio de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.

Zinho é o líder máximo da milícia que domina diferentes regiões da cidade, principalmente na zona oeste e Baixada Fluminense, coordenando chefes locais, de acordo com a Promotoria. Sua advogada, Leonella Vieira, nega as acusações.

Ainda de acordo com denúncia à Justiça, Zinho teria parado de dar apoio a Lesk e Gargalhone, pedindo para eles voltarem a se unificar na Gardênia. No entanto, os milicianos não concordaram e romperam com a milícia local, procurando apoio na Cidade de Deus, área de domínio do Comando Vermelho.

Os então milicianos realizaram, então, uma aliança com Edgar Alves, um dos principais líderes do Comando Vermelho que atende pelos apelidos de Doca e Urso.

Doca teria enviado, então, homens e armas para a Gardênia Azul. Em troca teria exigido a liberação da venda de drogas na localidade, além de parte do lucro das máquinas caça-níqueis. Também passou a liberar qualquer espaço do CV para homicídios e refúgio dos narcomilicianos. Pichações indicando a união foram feitas nas paredes das casas da Gardênia, onde siglas do CV e de Lesk foram realizadas.

O objetivo final do CV, segundo investigação, é a conquista de Rio das Pedras. O lucro com a exploração das vans chega a R$ 3 milhões por mês, estima um delegado. Assim, os narcomilicianos da Gardênia Azul são rivais dos milicianos daquela localidade, quadrilha da qual Taillon é suspeito de integrar.

Após a aliança, Lesk foi rebatizado por Doca com o apelido de CR7 e foi obrigado a seguir o que a facção chama de estatuto do CV. Nele, há uma lista de regras que os integrantes subordinados à facção têm de seguir, entre eles está "não caguetar" e "não acusar em vão".

Condenados pelo 'tribunal do tráfico' por matar inocentes

O corpo de Lesk foi um dos quatro encontrados na madrugada desta sexta-feira (6) em dois pontos distintos da zona oeste -na Gardênia Azul havia um corpo no porta-malas de um carro; outros três estavam em outro veículo próximo ao centro de convenções Riocentro.

Exames periciais apontaram a identidade dos demais como sendo Ryan Nunes de Almeida, Thiago Lopes Claro da Silva e Pablo Roberto da Silva Reis. Lesk foi identificado por tatuagens, rosto e digitais. Segundo a polícia, o grupo seria o responsável pela morte dos médicos.

Três delegados que atuam no combate às quadrilhas de drogas afirmaram à reportagem que a morte dos suspeitos de assassinato dos médicos partiu das regras do CV. Os novos homicídios teriam ocorrido após a repercussão do caso na Barra.

A justificativa seria a de que a facção não poderia entregá-los vivos porque seria "caguetar". Ainda em uma espécie de "tribunal do tráfico", que contou com aval da cúpula do CV, os narcomilicianos teriam sido sentenciados pelo erro cometido em tirar a vida de inocentes.

Assim, traficantes deixaram os corpos dos mortos em pontos distintos da zona oeste, para evitar operações em suas áreas. Há a suspeita de que as mortes teriam ocorrido no Complexo da Penha, mas para evitar ações policiais na região. A outra possibilidade apurada é de que os assassinatos a facadas e tiros dos suspeitos tenham ocorrido no interior da Cidade de Deus.

A expansão dos domínios do Comando Vermelho que fez alianças com ex-milicianos ligados a Zinho provocou diversas mortes na zona oeste do Rio. Somente em uma rua, 14 homicídios ocorreram nos seis primeiros meses do ano.


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