SÃO PAULO, SP E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Os moradores de dois quilombos da Bahia conseguiram no Reino Unido uma liminar judicial para impedir que mineradoras britânicas prossigam com o que as comunidades de Bocaina e Mocó, no município de Piatã (BA), chamam de intimidação.

As empresas de minério de ferro Brazil Iron Limited (BIL) e Brazil Iron Trading Limited (BITL), registradas no país europeu, são acusadas também de causar transtornos por poluição gerada por poeira proveniente da mina, barulho de maquinário e explosões. Moradores afirmam sofrer danos estruturais, físicos e psicológicos.

Os quilombolas dizem que foram abordados por funcionários da subsidiária brasileira das empresas britânicas depois que passaram a contestar na Justiça os impactos das operações. O objetivo seria forçá-los a desistir dos processos.

A Justiça britânica determinou que as mineradoras impeçam que seus colaboradores tenham contato com os quilombolas. A liminar vale até a próxima audiência do caso, que deve ocorrer em meados de 2024.

A Brazil Iron Mineração, subsidiária no Brasil, nega as acusações e acusa de má-fé o escritório de advocacia que lidera a ação em Londres. No Brasil, a companhia também é alvo de uma Ação Civil Pública. Desde novembro, as atividades da mineradora estão paralisadas na região sob suspeita de irregularidades.

Entre as denúncias, está também a de que foi feito o desvio de um córrego, o que teria privado os membros da comunidade de água para a irrigação de plantações no território, que é certificado pela Fundação Palmares desde 2013. Em Bocaina, vivem cem famílias e, em Mocó, 49.

A mineração na região acontece desde 2009, tendo sido assumida por diferentes empresas ao longo dos anos. Na visão de moradores, os problemas, no entanto, aumentaram com o início das operações pela Brazil Iron.

"Fizemos várias denúncias aqui no Brasil. Tanto nos órgãos [competentes] como através das mídias. Até que, em maio de 2022, o Inema [Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, órgão ambiental da Bahia] interditou a mina por irregularidades. Em agosto de 2022, eles tentaram voltar, mas, como estava tudo irregular, ela foi interditada em novembro. Estão até hoje parados e em busca das licenças", relata a professora Vanusia Santos, 34, membro da Associação da Comunidade de Bocaina.

"Aconteciam explosões das rochas que, além de jogarem poeira nas comunidades, racharam as casas dos moradores. Outro incômodo é que [a mina] operava 24 horas por dia, e o barulho atrapalhava a gente para dormir. [A empresa] também jogou rejeito no rio Bebedouro, o único rio da comunidade que nunca secava e hoje não tem mais água devido aos rejeitos de mineração", conta ela.

Catarina Oliveira, 50, presidente da associação de Bocaina, foi uma das moradoras que desenvolveram problemas psicológicos e respiratórios. "Muita ansiedade, insônia e muitos problemas respiratórios", resume Oliveira.

"Desde que a empresa suspendeu as atividades, não considero que a rotina normalizou. Melhoraram alguns pontos como a poeira, as explosões, o barulho, mas muitos impactos não foram corrigidos", diz ela, que teme que a empresa consiga nova autorização para atuar na região.

De acordo com Jonny Buckley, advogado do escritório Leigh Day, que representa as comunidades em Londres, esse é um caso inédito, por se tratar de uma decisão favorável a quilombolas numa britânica.

"Nossos clientes têm o direito de mover suas ações contra as empresas rés no tribunal inglês sem serem submetidos a pressões indevidas ou intimidações"diz. "Obtivemos essa liminar para evitar outras condutas inaceitáveis por parte da empresa que tentem impedir o direito de acesso à Justiça de nossos clientes. Esperamos que os réus agora participem de forma construtiva do processo legal."

Em maio de 2023, a DPU (Defensoria Pública da União) apresentou réplica às contestações na Ação Civil Pública ajuizada em outubro de 2022 contra a mineradora Brazil Iron e a ANM (Agência Nacional de Mineração).

A Defensoria pediu à Justiça Federal que a Brazil Iron e a ANM fossem condenadas ao pagamento de R$ 5 milhões como indenização por danos morais coletivos. No documento, foi solicitada a intimação do Inema para ingresso na ação.

A Defensoria considera que a ANM, na condição de agência fiscalizadora, foi omissa, sendo igualmente responsável pelos danos causados às pessoas do entorno e ao meio ambiente.

O processo ainda está em fase de instrução, de modo que esse pedido ainda não foi atendido pela Justiça. O pedido deve ser analisado no momento da sentença, e, se aprovado, as rés serão intimadas.

Procurada pela reportagem, a ANM afirmou que a última vistoria realizada na mina Mocó, pertencente a mineradora Brazil Iron, foi em 19 de outubro de 2022. A vistoria foi motivada por denúncia de que a empresa estaria trabalhando sem licença ambiental, mas, na fiscalização, a empresa comprovou com documentos estar em situação regular.

A Brazil Iron nega todas as acusações -incluindo as de intimidação aos quilombolas. A empresa diz que a ação que gerou a liminar no Reino Unido "foge do razoável", uma vez que a mineradora está sem operar há mais de um ano na região.

"Em momento algum, a Brazil Iron solicitou ou ordenou que funcionários ou qualquer outra pessoa intimidassem moradores locais", afirma. "Se alguns deles de fato acreditam que estão com problemas de saúde por conta da empresa, disponibilizamos atendimento e acompanhamento médico a toda comunidade", diz também a nota enviada à reportagem.

A mineradora diz ainda ser improvável que as partículas da poeira tenham chegado em grande quantidade à região de Mocó Sul e Bocaina, pela existência de um monte alto entre a mina e as comunidades. Segundo a companhia, apenas três casas poderiam ser impactadas dessa forma.

A Brazil Iron também afirma que, quando operava na região, não produzia rejeitos de minério. A empresa nega também a acusação de desvio de um córrego.

Também procurado pela reportagem, o Inema não comentou a ação até a conclusão da reportagem.


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