SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Os mais simpáticos dos grandes símios também são mestres da diplomacia: conseguem cooperar pacificamente com membros de um grupo diferente do deles, algo raríssimo entre primatas como nós. A constatação vem de um estudo feito com bonobos ou chimpanzés-pigmeus (Pan paniscus), que são os parentes vivos mais próximos do ser humano, junto com os chimpanzés-comuns.
Detalhes sobre o relacionamento pacífico e cooperativo entre dois grupos de bonobos no território da República Democrática do Congo (África Central) acabam de sair no periódico especializado Science. Liran Samuni, pesquisadora do Centro Alemão de Primatologia, e Martin Surbeck, do Departamento de Biologia Evolutiva Humana da Universidade Harvard, observaram durante dois anos as interações entre bonobos da reserva congolesa de Kokolopori.
A população somada dos grupos de símios acompanhados pelos primatólogos é de 31 indivíduos adultos (11 animais num grupo e 20 no outro), com predomínio de fêmeas (21, no total). Os bonobos são uma exceção entre os primatas em diversos aspectos, a começar pela predominância social das fêmeas, as quais, em geral, deixam os machos em posições subordinadas.
A espécie também costuma resolver conflitos e tensões por meio do contato sexual (que é frequente tanto entre indivíduos de sexo diferente quanto entre os do mesmo sexo) e é, no geral, muito menos agressiva que seus primos de primeiro grau, os chimpanzés-comuns.
Enquanto o contato entre adultos de bandos diferentes de chimpanzés quase sempre termina em agressão severa e até mortes, com ataques que parecem guerras, já se sabia que esse tipo de carnificina não acontece quando grupos diferentes de bonobos se encontram. Isso sugeria que a cooperação entre bandos distintos poderia acontecer, tal como vemos em sociedades humanas de caçadores-coletores, por exemplo.
Samuni e Surbeck verificaram que isso acontecia, mapeando ao menos três grandes categorias de interação positiva entre membros dos dois grupos: 1) catação de piolhos/limpeza do pelo (designado em inglês pelo termo "grooming"); 2) formação de coalizões (alianças que podem envolver disputas "políticas", por posições dominantes, por exemplo); e 3) compartilhamento de comida, o mais raro e mais surpreendente.
"É comum que certas fêmeas e, mais raramente, machos monopolizem frutas grandes", explicou Surbeck à Folha de S.Paulo. "Eles podem compartilhar pedaços de forma ativa --com certos indivíduos que estão ali por perto-- ou permitir que outros peguem diretamente um pedaço da fruta ou mesmo da boca deles. É comum que outros bonobos fiquem 'pedindo' um pedaço, nem que seja ficando sentados bem na cara do indivíduo que está com a fruta."
Além disso, a análise detalhada de interações, dupla por dupla (ou por "díades", como preferem os cientistas), revelou que a cooperação entre macacos de grupos diferentes está intimamente ligada à que acontece dentro do mesmo grupo. O que acontece é que os indivíduos mais "diplomáticos" dentro do seu próprio bando também são aqueles que tendem a ter mais interações positivas com os bonobos do grupo vizinho.
Ao que tudo indica, isso não tem a ver com parentesco, porque análises de DNA revelaram que apenas 6% das "díades" de cooperação, dentro ou fora de um mesmo grupo, correspondem a símios com parentesco próximo entre si. Uma hipótese que parece fazer um pouco mais de sentido é a do chamado altruísmo recíproco, o famoso "uma mão lava a outra": os macacos tenderiam a cooperar com companheiros de espécie com chances mais elevadas de devolver o favor. Com o passar do tempo e contatos seguidos entre os grupos, parece que vai ficando claro com quem vale a pena se relacionar de forma vantajosa para os dois lados.
Além da compreensão que esses dados trazem sobre a complexidade social dos bonobos, as implicações da descoberta para a evolução humana também podem ser significativas. A cooperação entre diversos grupos, mesmo no caso das sociedades humanas descritas como mais simples, é uma marca da nossa espécie que parecia não ter paralelo em outros primatas. Os novos dados sobre os bonobos indicam que não é bem assim.
"É preciso levar em conta o tamanho modesto dos grupos e o fato de que os bonobos só interagem com vizinhos diretos", diz Surbeck. "Mas, de modo geral, acho que a escala dessa cooperação poderia ficar mais ampla com densidades populacionais maiores e mais mobilidade. Também é importante mencionar que parte da cooperação de larga escala que vemos em humanos acontece durante contatos hostis. Seria improvável que isso evoluísse num sistema como o dos bonobos."
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!