BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Não basta o pedido do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, para que a concessão da Enel seja cassada, explicam especialistas do setor. Para que esse tipo de procedimento ocorra é necessário comprovar, de forma incontestável, a incapacidade da prestação do serviço, em processo específico, respeitando o contraditório e com ampla defesa, junto ao órgão regulador, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A avaliação é que focar na empresa como sendo o grande problema também não é a melhor reação do poder público para combater os efeitos das mudanças climáticas.

Na quinta-feira (16), Ricardo Nunes afirmou que havia solicitado à Aneel que cancelasse o contrato da Enel. Disse ainda que outros prefeitos da Grande São Paulo reforçaram a demanda na reunião com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e diretores da Aneel no Palácio dos Bandeirantes, na segunda (13).

Quem conhece a legislação do setor explica que as regras para a prestação do serviço de distribuição de energia estão previstas no contrato assinado com a empresa e em inúmeros regulamentos.

"O prefeito é livre para enviar uma carta ou a solicitação que quiser para a Aneel, mas precisa entender que o processo regulatório tem o seu rito: fiscalização, notificação, que pode levar a penalização pecuniária ou escalar para outras sanções", explica a ex-diretora da Aneel, Joísa Dutra, atualmente diretora do FGV CERI (Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas).

"O que vimos foi uma reação açodada do poder público diante um evento climático extremo. É compreensível, mas essa não é a resposta correta. O prefeito tem o grande desafio de fazer a lição de casa para entender e coordenar uma resposta organizada a esses eventos extremos, que serão cada vez mais constantes."

Dutra tratou do tema em artigo publicado no blog do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fudação Getulio Vargas), intitulado "Respostas impulsivas e impensadas a eventos climáticos extremos".

Também ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana destaca que o processo para cassar uma concessão é detalhista.

"Para iniciar e sustentar um processo de caducidade de uma concessão, o regulador precisa demonstrar que a concessionária deixou de cumprir o contrato e não tem condições de retomar um desempenho razoável. Os critérios de avaliação são muito objetivos", afirma.

A Enel não parece se encaixar nos critérios, avalia Santana.

"Exemplo: apesar de algumas restrições nos indicadores de qualidade, a empresa tem totais condições financeiras para melhorá-los. Traduzindo: se a Aneel exigir um aporte de capital, que, parece-me, não é ainda o caso, os acionistas têm condições de fazê-lo", destaca o especialista.

A pressão política, no entanto, pode acabar desestabilizando a empresa, com prejuízos para todos, principalmente para os consumidores, lembra Santana.

Há, porém, uma oportunidade para se propor ajustes contratuais.

Pelo cronograma das concessões, 20 distribuidoras poderão prorrogar o contrato por por mais 30 anos, a partir de 2025. A Enel está nessa leva. Seu contrato vence em 2030. O MME (Ministério de Minas e Energia) já concluiu uma consulta pública sobre os termos para a renovação dos contratos. Os limites gerais são estabelecidos pelo ministério, mas exigências específicas podem ser feitas pelo regulador.

Esse seria o momento, por exemplo, para reforçar mecanismos capazes de dar mais segurança ao sistema no cenário de alterações climáticas.

A relação entre a prefeitura e a Enel ficou tensa desde o apagão que se seguiu à tempestade de 3 de novembro. Em São Paulo, 2,1 milhões de consumidores ficaram sem energia elétrica. O presidente da Enel SP, Max Xavier Lins, culpou as quedas de árvores pela demora na recuperação das linhas para a retomada do fornecimento de energia na cidade.

O executivo sugeriu que o trabalho de remoção, que cabe à prefeitura, não teria sido ágil, o que deixou Nunes irritado. O prefeito questionou a declaração nas redes sociais, escrevendo que a concessionária estaria mentindo e sendo irresponsável.

A história da distribuição de energia na cidade de São Paulo tem mais de 120 anos.

A rede foi instalada pela iniciativa privada, a partir de 1899. Em 1979, o governo federal, por meio da estatal Eletrobras, assumiu o controle da empresas de concessão. Em 1981, a parte paulista passou para o governo de São Paulo. Em 1998, ela foi novamente privatizada, desta vez para um consórcio de empresas. Em 2001, o grupo americano AES assumiu o controle.

O grupo italiano Enel entrou na concessão em 2018, por meio da aquisição de 73,38% das ações.

Enel/Divulgação - Enel

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