SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Autor de um livro que defende a escravidão, e sob acusação de encobrir violências sexuais e domésticas cometidas por membros de sua igreja, o pastor americano Douglas Wilson era uma das principais atrações do Consciência Cristã. Não mais.

A presença do controverso líder evangélico no evento foi pelo ralo após perfis virtuais exporem sua indignação. A gota d'água foi uma reportagem publicada na terça (16) pelo site The Intercept, que sublinhou posicionamentos de Wilson a favor do sistema escravocrata "sob princípios bíblicos".

O cancelamento de sua vinda ao Brasil, contudo, ocorreu não por conta de suas falas, mas por zelo pela sua segurança, segundo a Vinacc (Visão Nacional para a Consciência Cristã), que organiza a conferência teológica marcada para acontecer durante o Carnaval, na Paraíba.

"Considerando as reações às veiculações de sua presença entre nós -inclusive com incitação a crimes de ódio, e, eventualmente, à escalada de violência física-, julgamos por bem, em mansidão e amor cristão, cancelar sua participação, no intuito de garantir a segurança física do pastor, dos demais preletores e das mais de 100 mil pessoas que passarão pelo encontro", diz nota da entidade.

Wilson também se manifestou num texto intitulado "Uma palavra ao bom povo brasileiro", em que repudia acusações de racismo e defesa da escravidão.

Suas obras, contudo, contêm diversos trechos que respaldam a premissa escravagista. A mais famosa delas, "Southern Slavery, As It Was" (escravidão no sul, como ela era), sobre a estrutura que escravizou milhões de africanos e seus descendentes naquela região dos Estados Unidos, usa a Bíblia para "defender uma forma de escravidão contra evangélicos que se envergonham por ela", segundo sua sinopse.

Em seus escritos, Wilson afirma que o racismo é perverso e que "a vaidade racial e a animosidade racial não podem encontrar fundamento nas Escrituras". Também não nega que o componente racista permeou a relação entre escravocratas e escravizados em seu país natal.

Mas apresenta ressalvas teológicas para sustentar que um homem pode tratar o outro como propriedade, privando-o de direitos humanos básicos como liberdade.

Para ele, é um imperativo cristão apontar que "a Bíblia fala com autoridade sobre a escravidão, e os cristãos têm o dever de obedecer aos seus ensinamentos". O pastor diz que o sistema não era um mal por si só e que "cristãos piedosos" poderiam preservar uma boa reputação em suas igrejas sem abrir mão de manter escravizados sob seu comando, "desde que eles sejam bem tratados".

Em artigo de 2013, Wilson diz que os apóstolos de Cristo "enfrentavam uma circunstância em que escravizados e seus donos eram membros de suas igrejas". Cita então passagens do Novo Testamento, como esta do livro de Efésios: "Escravos, obedeçam com medo e respeito àqueles que são seus donos aqui na terra. [...] Como escravos de Cristo, façam de todo o coração o que Deus quer. Trabalhem com prazer, como se vocês estivessem trabalhando para o Senhor e não para pessoas".

Contra o pastor também pesam queixas sobre uma suposta leniência com abusos perpetrados por fiéis da Christ Church, igreja em Moscow, cidade do americano estado de Idaho. Em 2021, o site Vice publicou extensa reportagem compilando casos de mulheres que, a maioria em anonimato, se dizem alvos dessas violências. Uma delas diz que foi estuprada pelo marido, que teria chegado bêbado em casa e desrespeitado sua recusa a sexo.

Um caso público é o de Natalie Greenfield. Ela contou ter 14 anos quando um estudante da Greyfriars Hall, escola de pastores fundada por Wilson, começou a abusar sexualmente dela. Ele estava na casa dos 20 anos. Em 2005, ela o denunciou à polícia. O pastor sênior teria, então, pedido a autoridades para conceder clemência ao acusado, segundo Greenfield.

Em 2022, Wilson compartilhou um post em que a ex-integrante de sua igreja diz ter buscado o perdão dele e de sua comunidade religiosa, "por tratá-los como meus inimigos". O que lhe gerou o "trauma de infância", ela afirma, foram "ações insidiosas de um indivíduo e daqueles que deram oportunidade para que eu fosse prejudicada por ele". O pastor responde que a desculpou pela acusação.

Sobre a relação entre um homem e uma mulher casados, ele já escreveu que "o ato sexual não pode ser transformado em uma festa igualitária de prazer" porque "o homem penetra, conquista, coloniza, planta", e a mulher "recebe, entrega, aceita". A autoridade e a submissão "verdadeiras" seriam, a seu ver, "uma necessidade erótica".

Tido como um dos próceres do nacionalismo cristão, movimento que tem batalhado por um segundo mandato para Donald Trump na Presidência dos EUA, Wilson participaria da Consciência Cristã ao lado de nomes evangélicos respeitados no Brasil, como os presbiterianos Augustus Nicodemus Lopes e Hernandes Dias Lopes.

Nicodemus foi à internet, após a notícia sobre a vinda do americano emergir no debate público, afirmar que publicações em redes sociais "não substituem confrontos pessoais nem denúncias nos tribunais competentes, especialmente em contextos eclesiásticos".

Embora o "ambiente online frequentemente se torne um espaço de discussões acaloradas, onde insultos, sarcasmo e confrontos podem prevalecer", é preciso refletir sobre "a natureza muitas vezes tóxica das interações" virtuais, afirma, sem mencionar diretamente Wilson em nenhum momento.

As redes sociais não seriam, portanto, um meio adequado para "julgar e resolver adequadamente questões de doutrina ou conduta". Completa: "Jesus nos ensinou como proceder em caso de um irmão que cai em pecado, Mateus 18.15-20, um texto que os webcrentes ignoram completamente".

Na carta em que comenta seu desfalque no congresso evangélico, Wilson diz que o debate sobre suas falas a respeito da escravidão é vazio, porque ela "terminou no Brasil em 1888, e em meu país, em 1865". Haveria em jogo outra questão mais premente quando, "por causa dos pecados do mundo moderno, estamos todos afundando em um pesadelo infernal e totalitário", segundo ele.

"Essa controvérsia está ocorrendo porque sou obstinadamente leal a essas instruções apostólicas e me recuso a pedir desculpas pelo fato de que o cristão é chamado a trabalhar por reforma, não por revolução. Mas a questão que temos diante de nós hoje é a revolução sexual, e não a antiga instituição da escravidão. Ninguém quer reintroduzir a escravidão."

No texto assinado por seu presidente, o pastor Euder Faber, a Visão Nacional para a Consciência Cristã diz rejeitar "qualquer violação aos direitos humanos, incluindo todas as formas de escravidão". A organização, continua a nota, "compreende que cada ser humano é criado à imagem e à semelhança de Deus (Gênesis 1.27), e, portanto, dotado de dignidade humana".


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