SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sem a casa própria, famílias recebem auxílio-aluguel da Prefeitura de São Paulo há quase dez anos. O dispositivo foi criado como uma alternativa provisória de atendimento habitacional, mas na prática vem se arrastando por anos.

O valor pago pela prefeitura, de R$ 400 por mês, está congelado desde 2015. No período, a inflação foi de 105,1% pelo índice IGP-M (Índice Geral de Preços ? Mercado), usado como base para reajuste da maior parte dos contratos de aluguel e, inclusive, disparou nos anos de pandemia da Covid-19.

Milton Vieira, secretário de Habitação na capital, justifica o valor em razão de um investimento curto na pasta, mas diz acreditar que, se o benefício for reajustado, há o risco de torná-lo atraente à população. "Se aumentar o [valor do] auxílio, podemos incentivá-lo, e o que precisamos é de moradia digna", disse Vieira à reportagem.

Hoje, 21 mil famílias recebem o auxílio na capital. A reportagem conversou com moradores que relatam essa situação desde 2014 e, com dificuldades para pagar aluguel e comprar comida, confrontam a declaração do secretário.

Dados da Prefeitura de São Paulo mostram que ao longo de 2023 a Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) gastou R$ 105,5 milhões com auxílio-aluguel, uma média de R$ 8,7 milhões por mês. Já o orçamento da Sehab foi de R$ 2,5 bilhões neste período.

Especialistas no tema avaliam que o auxílio é uma política pública ineficaz diante do déficit habitacional na capital e que o congelamento desse valor indica a falta de capacidade administrativa.

"O valor incentiva ocupar áreas vulneráveis, e é uma política de enxugamento de gelo", diz Kazuo Nakano, urbanista e professor do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

"O ideal seria um programa de aluguel subsidiado. Por exemplo, o poder público poderia construir conjuntos, que continuariam públicos, mas com valores de locação mais baixo. Também cadastrar imóveis privados [para locação]", sugere.

O engenheiro e urbanista Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, concorda. "A prefeitura começou a usar o auxílio como política habitacional. Tinha problema de área de risco, urbanização, despejo, concedia o bolsa-aluguel. Com R$ 400, congelado, a família tende a ir para moradias vulneráveis e em áreas de riscos", afirma.

Segundo a portaria do auxílio publicada em julho de 2015, a gestão municipal deve conceder o benefício para pessoas que sofreram com remoção em decorrência de obras públicas, em razões de riscos ou em casos de acidentes geológicos, desabamentos, inundações, alagamentos, incêndios, contaminações químicas e outros caracterizados pela Defesa Civil.

Centenas de moradores da Viela da Paz, uma comunidade da zona oeste, compõem a lista de beneficiados desde quando foram removidos, no começo da década passada.

"Eu estou nesta situação desde 2014, mas tem muitas famílias que recebem o auxílio desde 2011", afirma a educadora social e uma das líderes comunitárias da área, Tereza Arrais, 60.

"O auxílio deveria ser um paliativo, porque queremos é moradia digna, pagar a prestação e, no final, poder dizer 'quitei, é meu, está no meu nome'", diz.

No Jardim Ibirapuera, na zona sul da cidade, Joelma da Silva Aquino, 40, e Lindaci da Silva Aquino, 37, tiveram de deixar suas respectivas residências em 2015. O rompimento de uma adutora abalou as estruturas dos imóveis.

"Eu tinha uma boa casa, havia acabado de comprar e tive que deixá-la às pressas", conta Joelma, que paga R$ 750 de aluguel por um imóvel com dois quartos e reside com marido, dois filhos e a neta, de cinco anos.

A quantia de R$ 400 é insuficiente, de acordo com os moradores, para cobrir pelo menos a metade do aluguel, mesmo em comunidades ou bairros afastados.

"Eu pago R$ 1.070 de aluguel [no Jardim Ângela], às vezes atraso uma conta de água ou luz, porque infelizmente é muito pouco", afirma Aline de Oliveira, 39.

"Estou há dez anos nessa situação já. Perdi uma casa com piso e cerâmica [em decorrência do rompimento de uma adutora], e a palavra para definir isso é 'esquecida'", lamenta.

Um relatório do TCM (Tribunal de Contas do Município), concluído em novembro de 2022, apontou que, das cerca de 21 mil pessoas que receberam o auxílio aluguel na cidade de São Paulo ao longo do ano anterior, apenas 1.587 conseguiram uma moradia definitiva por meio de programas municipais ou estaduais.

Os atendimentos ocorreram, em média, 8 anos, 4 meses e 1 dia após a data do primeiro pagamento do benefício.

Vieira estima que, com o valor total, seria possível construir quase 500 casas populares. São Paulo tem um déficit habitacional estimado em 360 mil domicílios.

Segundo ele, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) estipulou uma meta de entregar 49 mil casas até o final de sua gestão. Entre unidades prontas e casas já encaminhadas (cujo contrato foi assinado ou obras estão em andamento), a meta é de 120 mil unidades, disse o secretário.

"A intenção da administração [Ricardo Nunes] é a de produzir unidades habitacionais. Devemos entregar somente neste ano, 19.523, que vão contemplar as quase 21 mil que ganham o auxílio", afirmou Vieira.

Em nota, a Sehab ressalta que ampliou a produção de moradias para atender as famílias que estão no auxílio-aluguel e que até o final da gestão Nunes deverá entregar mais de 100 mil residências.

"De 2021 até o momento, 9.742 unidades habitacionais já foram entregues à população, 19.523 estão em construção, 33.105 foram contratadas e outras 54 mil novas moradias estão em processo de contratação", escreveu a pasta.


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