SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A demolição no último sábado (24) de um casarão dos anos 1930 nos Jardins, uma das áreas mais valorizadas na zona oeste de São Paulo, deverá acirrar ainda mais a disputa entre mercado imobiliário e grupos contrários ao avanço da verticalização na região.

Derrotados na batalha travada no Conpresp, o conselho municipal de preservação do patrimônio, um grupo de moradores do entorno agora mira o caso do parque Augusta, no centro, para pressionar pela construção de uma praça no local.

Além disso, nos bastidores do debate no Conpresp sobre o casarão está outro embate semelhante, o que envolve o tombamento de um grande conjunto de imóveis em Pinheiros (zona oeste), e que agora deverá ser defendido com mais afinco pela ala preservacionista do conselho.

Do outro lado dessa disputa, há donos de imóveis que reivindicam o direito de vender suas propriedades num momento de valorização. Além disso, representantes de segmentos políticos e empresariais argumentam que edifícios mais altos são necessários porque concentram mais pessoas em áreas amplamente dotadas de infraestrutura urbana e serviços.

Antiga residência de freiras, o terreno de aproximadamente 3.000 m² na esquina da alameda Itu com a rua padre João Manoel foi vendido pela Associação Maria Imaculada por R$ 118,5 milhões -cerca de R$ 40 mil por m²- para a construtora Barbara, que possui em seu catálogo edifícios de alto padrão. Procuradas, representantes da associação e da construtora não comentaram.

O desfecho do negócio, com o casarão sendo colocado abaixo com uma escavadeira, ocorreu após a recusa de abertura de processo de tombamento do imóvel pelo Conpresp, órgão vinculado à gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Representada pela Samorcc (Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César), a vizinhança recorreu ao conselho há um ano e, no período, o caso teve idas e vindas.

Setor técnico que dá suporte à decisão do Conpresp, o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) reconheceu a possibilidade de haver valor histórico no imóvel e emitiu parecer recomendando a abertura do processo de tombamento.

O documento, porém, não chegou a ser submetido à votação no conselho. O órgão determinou a realização de uma vistoria e, após a diligência, um novo parecer do DPH indicou que o pedido deveria ser negado. Os conselheiros seguiram a orientação da área técnica.

Desde 2014 a legislação urbana de São Paulo estimula o mercado imobiliário a construir prédios mais altos perto de estações de metrô e dos corredores de ônibus. O objetivo é aumentar o adensamento populacional nessas áreas. Nesse contexto, os tombamentos se tornaram a principal ferramenta de grupos organizados de moradores para impedir a substituição de casas por prédios.

Durante a revisão da Lei de Zoneamento, a Câmara Municipal aprovou dispositivo que tirava parte da força do Conpresp, limitando o órgão à função de formulador projetos e delegando aos vereadores a decisão sobre o tombamento.

A regra também limitava a 180 dias o período em que áreas próximas a bens sob análise de tombamento ficariam inalteradas. As medidas foram vetadas pelo prefeito Ricardo Nunes e a Câmara ainda irá avaliar se derrubará ou não o veto.

Relator da revisão da Lei de Zoneamento e conselheiro do Conpresp, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) afirma que a decisão contrária à abertura do tombamento foi absolutamente técnica, uma vez que a análise do DHP considerou que o imóvel não estava suficientemente preservado para ser considerado patrimônio.

Em nota, a prefeitura também afirmou que o DHP não identificou elementos que justificassem a abertura de processo de tombamento do imóvel e que a análise foi embasada por estudos técnicos.

A Samorcc reclama diz que o Conpresp cometeu grave a omissão, pois a abertura do processo de tombamento resultaria em estudos aprofundados que poderiam demonstrar o valor histórico do imóvel.

A negativa também serviu de argumento para o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubar a decisão provisória, em ação do Ministério Público, que impedia a demolição.

Morador do entorno, o administrador Geraldo Bernardes Silva Filho, 73, participa da organização de um movimento para cobrar reparação por dano ambiental coletivo da gestão Ricardo Nunes. O reparo viria na forma de uma praça pública, uma vez que a área do imóvel é arborizada. "Não podemos simplesmente construir sem nos preocuparmos com o verde e a área de lazer dos moradores", diz.

Vice-presidente da Samorcc, a advogada Celia Marcondes participou do movimento que resultou na criação do parque Augusta. Ela enxerga semelhanças entre os dois casos.

Inaugurado em 2021, o parque na região central ocupa terreno de 24 mil m² onde um colégio católico para moças foi demolido nos anos 1960. A área ficou anos nas mãos do setor imobiliário.

Em 2013, as construtoras Cyrela e Setin adquiriram o espaço e anunciaram a intenção de erguer prédios no local.

Após reivindicações de ativistas e de moradores da região, porém, as empresas aceitaram trocar o espaço à prefeitura para a construção do parque Augusta em troca a liberação sem cobrança de taxas para construir em outras áreas da cidade. A regra que transfere potencial construtivo está prevista na legislação municipal.


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