SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A juíza Mônica Maria Cintra Leone Carvalho, da 1ª Vara Federal de Angra dos Reis, determinou que o Condomínio Laranjeiras, em Paraty (RJ), deve garantir a livre passagem de caiçaras da região da praia do Sono, Laranjeiras e Ponta Negra pelas vias internas do loteamento.

Procurado, o empreendimento de luxo afirma que avalia as soluções jurídicas que deverão ser tomadas. Como mostrou uma reportagem da Folha de S.Paulo publicada em 2022, o maior problema entre o condomínio e os caiçaras é a restrição dessa passagem. Isso porque essas comunidades dependem da travessia para chegar até o ponto de ônibus, e o empreendimento é a única saída para as praias.

Atualmente, condôminos, funcionários e moradores da Vila Oratório ?que faz fronteira com o empreendimento? podem passar no condomínio a pé para acessar as praias. Porém, quem vive mais afastado nas praias do Sono e Ponta Negra, cuja principal fonte de renda é o turismo, não.

Para esses caiçaras e turistas, é necessário pegar uma van que faz o trajeto entre a marina do condomínio e o ponto de ônibus, das 8h às 18h. Para chegar até a van, a maioria faz o trajeto via lanchas, que dura, em média, de 15 a 25 minutos ?há também uma trilha, mas o acesso é difícil para quem precisa carregar malas ou compras do mercado.

A decisão foi celebrada pela comunidade local. Para o deputado estadual Flávio Serafini (PSOL-RJ), a decisão é uma vitória para os caiçaras região.

"Essa decisão é fruto de uma luta árdua e persistente das comunidades, que foram privadas durante décadas do seu direito fundamental de ir e vir. Agora, as famílias caiçaras voltam a circular livremente pelos caminhos tradicionais que historicamente fazem parte do seu território nacional", afirmou ele durante sessão nesta terça-feira (27).

Na decisão, a juíza diz que os caiçaras são respaldados pela legislação brasileira, além de estarem amparados pelo direito internacional. "A presente ação tem por objeto a garantia de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e direitos fundamentais reconhecidos pela CRFB/88 [Constituição de 1988] e titularizados por povos tradicionais de Paraty", argumenta.

"O condomínio, por sua vez, passa ao largo do debate acerca de direitos humanos e fundamentais de povos tradicionais, como se disso não se tratasse", diz outro trecho da decisão.

O empreendimento também foi condenado a pagar uma indenização de R$ 400 mil por danos morais coletivos cometidos contra comunidades tradicionais da região.

Morador da Praia do Sono, Cauê Villela afirma que os proprietários "são uma potência econômica". "É inegável, 90% do PIB brasileiro está alí. É uma Beverly Hills ao lado, enquanto, do outro, temos famílias que não têm nem um banheiro para usar."

A ação, movida pelo MPF (Ministério Público Federal) em 2018, atende a uma demanda histórica das populações locais. A construção do empreendimento na segunda metade da década de 1970 transferiu caiçaras que viviam à beira da praia para loteamentos nas encostas do enclave montanhoso que caracteriza a região.

Essa não é a primeira ação protocolada contra o Condomínio Laranjeiras. Ainda em 1981, logo após sua inauguração, uma ação de reintegração de posse foi movida pela União, pleiteando a criação de rotas de acesso à praia que haviam sido bloqueadas pelo loteamento. Em 1983, o município de Paraty também questionou a proibição do acesso de transporte coletivo nas vias internas do condomínio.

Ambos os casos são citados em ação movida pelo MPF em 2009 a pedido de lideranças comunitárias. O processo também tratava da dificuldade de deslocamento dos caiçaras por seus caminhos tradicionais.

Em 2016, um acordo foi firmado. Porém, moradores das comunidades avaliavam que o tratado foi feito de forma arbitrária entre a procuradora da época, Monique Cheker, e o condomínio. A ação movida em 2009 e o posterior acordo, de 2016, foram usados pela defesa do condomínio para questionar o processo atual, mas o pleito foi rejeitado.

"Embora aparentemente o objeto da ação civil pública [de 2009] esteja se repetindo na presente ação, que pretenderia dar solução diferente à lide já anteriormente deduzida e encerrada por autocomposição, isso não é verdade", diz a decisão.

De acordo com a Justiça, enquanto o pleito de 2009 tratava do direito de acesso a praias da União pela população em geral, a ação atual teria por objetivo a garantia de direitos fundamentais das comunidades.

O processo julgado nesta segunda-feira pede a anulação do tratado firmado por Checker. Na sentença, a juíza declara falta de interesse processual no pedido, ou seja, como a ação anterior diz respeito à coletividade em geral e não aos povos tradicionais em específico, não haveria legitimidade no pedido de anulação do acordo.

No acordo de 2016, o condomínio se comprometeu a fazer o transporte de passageiros até um cais que fica dentro da propriedade em horários pré-determinados. Uma van do condomínio fazia o trajeto de caiçaras e turistas entre a marina do condomínio e o ponto de ônibus próximo de sua portaria, das 8h às 18h.

Cerca de dez dias após o acerto, uma moradora da praia do Sono foi processada por andar a pé dentro da área. Em 2021, época em que a Folha visitou o local, ao menos 24 caiçaras respondiam a processos por terem caminhado nas vias internas do loteamento.

Além de determinar a desobstrução das vias internas para circulação de caiçaras, a sentença também obriga o empreendimento a liberar a entrada de caminhões de lixo da prefeitura em suas dependências.

A coleta nas comunidades da região é feita por via marítima e, sem a possibilidade de retirada dos resíduos pelas ruas do condomínio, o transporte tem de ser feito contornando a Reserva Ecológica da Juatinga por mar, em um trajeto mais longo e custoso.

Na decisão, a magistrada também delibera sobre a criação de três RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) sobrepostas a comunidades tradicionais caiçaras e territórios quilombolas.


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