SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer pagar aos policiais militares da reserva que atuarem em escolas cívico-militares mais do que paga aos professores da rede estadual paulista.

A reportagem teve acesso ao projeto de lei do governo, no qual é proposto pagar um adicional de até R$ 6.034 aos agentes de segurança -valor 13% superior ao piso dos docentes em São Paulo.

O projeto de lei que cria o programa de escolas cívico-militares no estado foi encaminhado pelo governo nesta quinta-feira (7) à Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), onde deve ser discutido e aprovado ainda neste semestre. A base do governador já está mobilizada para isso.

O governo aposta na aprovação do projeto e quer abrir 50 escolas cívico-militares já no próximo ano e outras 50 em 2026. "Entendemos que é algo que agrega civismo, brasilidade, disciplina, é de interesse dos pais. Vai contribuir com os alunos e nada interfere com a rotina pedagógica da escola", afirmou o governador nesta quinta-feira.

Em nota, a Secretaria de Educação negou que o valor que pagará aos policiais seja maior do que a remuneração docente no estado. "O salário médio pago aos professores da rede é de R$ 6.057, de acordo com cálculo feito a partir do Portal da Transparência", diz a pasta.

O valor pago aos agentes de segurança, contudo, será somado aos salários que já recebem da reserva da polícia.

Tarcísio passou a prometer o modelo para se contrapor ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o governo federal decidiu acabar com o programa nacional de fomento a escolas cívico-militares criado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo a proposta de Tarcísio, os PMs da reserva vão atuar nessas escolas para cuidar da "segurança escolar" e desenvolver "atividades extracurriculares de natureza cívico-militar". Para isso, vão receber um complemento de R$ 301,70 a cada jornada diária de 8 horas -com a possibilidade de cumprirem até 40 horas de trabalho por semana.

O valor total que os policiais podem receber apenas de complemento, já que ainda continuarão recebendo os soldos da reserva, é 13% maior do que os R$ 5.300 definidos como piso salarial para os professores da rede estadual com jornada de 40 horas semanais.

Ainda segundo o texto, os policiais participantes do programa serão selecionados por processo seletivo e atuarão como "prestadores de tarefa" pelo prazo máximo de cinco anos.

O projeto propõe que o complemento seja majorado em até 50% para policiais militares da reserva que vão atuar como coordenadores do programa --ou seja, o adicional pode ultrapassar R$ 9.000.

O pagamento desse complemento será feito pela SSP (Secretaria da Segurança Pública). O projeto não traz uma estimativa de quantos policiais irão atuar nas escolas, nem o custo anual do programa, mas o governo trabalha com a possibilidade de 1 policial para cada 90 alunos (equivalente a três salas) ou 120 alunos (equivalente a quatro salas).

O texto diz apenas que o número de policiais da reserva que irão atuar em cada unidade será definido pelo secretário de Educação, Renato Feder. Também destaca que os agentes "não serão considerados, para quaisquer fins, como profissionais da educação básica".

Apesar de atuarem dentro das escolas e de a gestão da unidade continuar sob responsabilidade do quadro docente, os agentes selecionados vão ficar subordinados a um grupo de coordenadores, formado também por PMs da reserva, que ficarão alocados na Secretaria de Educação.

À reportagem o deputado Tenente Coimbra (PL), um dos articuladores do projeto, defendeu a remuneração oferecida aos policiais e agentes do Corpo de Bombeiros aposentados como forma de atraí-lo para os serviços nas escolas. "Se colocar um valor diferente [abaixo] do que paga o serviço administrativo [da PM], é difícil achar um bom profissional. Obviamente vai ter uma triagem", afirmou Coimbra.

Segundo o deputado, há bastante oferta para esses agentes aposentados nas funções administrativas da polícia. "No serviço administrativo, os militares continuarão a receber o soldo de acordo com sua carreira na polícia", disse Coimbra.

Os militares estarão desarmados, trajados com uniformes escolares e deverão realizar as funções administrativas e de organização. Caberá a eles recepcionar os alunos, organizá-los para a execução do hino nacional e o hasteamento da bandeira, além de monitorar o momento da saída do colégio.

"O militar não entrará na sala de aula, com exceção do projeto de valores, onde vai ensinar civismo, cidadania, símbolos nacionais. Tudo ainda vai ser regulamentado", disse Coimbra, que tem acordo com a base de Tarcísio na Alesp para assumir a relatoria do projeto.

Coimbra foi autor de uma lei que versava sobre a fomentação do modelo cívico-militar, mas o Tribunal de Justiça anulou o texto por entender que o Legislativo não tinha legitimidade -somente o Poder Executivo. Para evitar nova interferência judicial, foi a gestão Tarcísio que apresentou o projeto de lei desta vez.

As atividades extracurriculares, como o projeto de valores citado pelo deputado, serão definidas pela Secretaria de Educação em articulação com a pasta da Segurança Pública.

Segundo a proposta do governo, a implementação do modelo cívico-militar deverá considerar os índices de rendimento escolar, fluxo e vulnerabilidade social. "A gente vai selecionar algumas escolas por recorte social, procurando focar áreas em que nós temos vulnerabilidade", disse Tarcísio.

Instituições em áreas de indígenas e quilombolas não deverão ser contempladas, assim como escolas com aulas no período noturno e com gestão compartilhada.

O governo se compromete em promover uma consulta pública com a comunidade ao selecionar a escola. "O quórum para a aprovação da proposta submetida à consulta pública será de maioria dos votos, presente a maioria absoluta dos integrantes da comunidade escolar", diz trecho do projeto de lei.

O quórum suficiente, segundo o texto, será de maioria dos votos. Em caso de quórum insuficiente, a proposta poderá ser reapresentada três vezes dentro do ano letivo.

EXTINÇÃO DO PROGRAMA FEDERAL

Em julho do ano passado, o governo Lula iniciou o processo de extinção total do programa federal de fomento a escolas cívico-militares, uma bandeira de Bolsonaro.

O Ministério da Educação petista, comandado por Camilo Santana, fez um estudo jurídico sobre o tema que apontou que o modelo fere a Constituição e as diretrizes da educação brasileira.

O artigo 61 da LDB, que define as qualificações necessárias para os profissionais da educação básica escolar, diz que eles devem ser habilitados para a docência. Exigência que não é feita aos militares que atuam nas escolas.

O Estatuto dos Militares também não prevê, em nenhum de seus dispositivos, que faça parte de suas atribuições a atuação dedicada às políticas públicas de educação.

O estudo do MEC também alertou que a alocação de militares em funções escolares é "um flagrante desvio de sua finalidade enquanto estrutura de Estado", além de ter chamado a atenção para os salários pagos aos oficiais, muito superiores aos valores recebidos por docentes e até mesmo diretores escolares.

"Os investimentos robustos para manter militares reformados nas escolas públicas de ensino fundamental e médio em atividades de assessoria e suporte parecem debochar da escassez de recursos que as redes de ensino conseguem mobilizar para o pagamento de seu próprio pessoal", diz o estudo.

Apesar do entendimento de que o modelo fere as legislações educacionais do país, o governo Lula não proibiu ou regulamentou sobre a presença de militares nas escolas. Na ocasião, especialistas apontaram que a decisão da gestão petista poderia impulsionar a bandeira bolsonarista de militarização da educação básica.


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