BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), relator do projeto antifacção enviado pelo governo federal, anunciou, nesta segunda-feira (10), mudanças no texto da proposta, mas sem alterar os pontos mais criticados pela gestão Lula (PT), que tratam do esvaziamento da competência da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
Secretário da Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, Derrite reassumiu seu cargo de deputado temporariamente para relatar o projeto. A escolha do relator, que contrariou o governo, foi feita pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que incluiu o tema na pauta desta semana.
Pelas redes sociais, Derrite falou das mudanças. "O objetivo é manter as competências estaduais, mas estimular a integração entre todos os órgãos de segurança pública. Continuarei dialogando com todas as frentes para que possamos chegar a um texto robusto, que realmente combata a criminalidade organizada", escreveu.
Derrite afirmou que as mudanças se devem a sugestões que ele incorporou após diálogo com uma série de atores ?ele não menciona interlocução com o governo, autor da proposta.
A Polícia Federal criticou nesta segunda-feira as alterações feitas, afirmando que as mudanças representam um risco de enfraquecimento nas ações que miram esses grupos.
Logo após a manifestação da corporação, o presidente da Câmara informou ter intermediado um diálogo entre Derrite e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, para que o projeto mantenha as atribuições da corporação nessas investigações.
"A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público", diz nota da PF.
A polícia cita ainda que o relatório apresentado por Derrite propõe mudanças significativas ao papel institucional da Polícia Federal no combate ao crime, com destaque àqueles contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance
"A execução de operações pela Polícia Federal dependeria de solicitação do governo estadual da região investigada, o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado", diz ainda a nota.
O governo federal deve centrar esforços para apontar o que classifica como problemas no relatório de Derrite. A estratégia, de acordo com relatos, é expor o que consideram como problemas e inconsistências no texto, além de tentar mobilizar a opinião pública contra o parecer. Governistas também falam que é prejudicial votar um tema considerado prioritário numa semana em que os trabalhos serão esvaziados no Congresso por causa da COP30 ?com sessões remotas na Câmara.
Em vídeo que será divulgado nas redes, o presidente presidente do PT, Edinho Silva, deve afirmar que o parecer de Derrite "protege, blinda os criminosos porque enfraquece a Polícia Federal", além de afirmar que o texto "atrapalha quem realmente investiga o crime organizado no Brasil".
Em entrevista à imprensa nesta segunda, o líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que o texto de Derrite "abre precedente para que a PF não faça investigação, o que é algo muito grave". Para o petista, a principal tarefa, neste momento, é "desmontar esse ataque à Polícia Federal".
Lindbergh disse que esse é um ponto inegociável e que, se o relator continuar contra, terá que tentar derrotar o governo no plenário.
"Acho que teve muita gente na política incomodada com a Operação Carbono Oculto. Tem interesse de tentar barrar investigações feitas pela Polícia Federal contra parlamentares. [...] Estão brincando com fogo, as pessoas não querem impunidade e vão se levantar contar isso", disse.
Integrantes do governo avaliam que o relatório tem um propósito "exclusivamente político-eleitoral" e representa um retrocesso no esforço de combate ao crime organizado.
Pelo texto, crimes praticados por facções criminosas, milícias e grupos paramilitares, assim como qualquer delito ligado a essas organizações, passariam a ser apurados pelos estados.
Na prática, explica o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, funciona ao contrário: quando uma investigação estadual identifica um crime conectado a organizações criminosas com atuação interestadual ou internacional, a competência costuma migrar para a Justiça Federal.
Segundo ele, retirar a PF desse tipo de investigação equivaleria a dar "um enorme, um gigantesco presente para os líderes de facções".
"A mudança de competência também se aplica a processos em andamento. Vários inquéritos hoje conduzidos pela PF seriam afetados, o que comprometeria anos de investigação. Se você está apurando uma organização criminosa ligada ao transporte público e descobre que ela faz negócios com outro país, isso deveria ficar a cargo da Polícia Civil?", afirmou.
Entre as mudanças anunciadas nesta segunda, Derrite afirmou que deve ampliar o alcance de medidas cautelares e de asfixia financeira para todas as organizações criminosas. A primeira versão do relatório lista medidas como sequestro e bloqueio de bens, bloqueio cautelar de acesso a sistemas financeiros, comunicação a órgãos de controle financeiro, proibição de saída do território nacional, entre outros.
O relator pretende enquadrar também quem cometer os crimes previstos no projeto, ainda que não faça parte de organização criminosa ou milícia.
Derrite já previa a criação de um banco nacional de membros de organização criminosa, mas quer estabelecer também bancos estaduais, garantindo o intercâmbio com o nacional. Além disso, ele diz que vai incluir a previsão de que os inscritos nesses bancos tornem-se inelegíveis.
Por fim, Derrite quer incluir na Lei de Organizações Criminosas a previsão da ação civil autônoma de perdimento de bens. "Mais uma medida que tem por fim asfixiar financeiramente esses grupos desviantes."