BELÉM, PA (FOLHAPRESS) - O horizonte da praia do Brasília, um lugar que já foi turístico e que há muito tempo vive uma realidade de abandono crônico, ganhou um componente insólito: dois transatlânticos de luxo estão ancorados bem próximos, no porto de Outeiro, um distrito de Belém que fica a 40 minutos do pavilhão central que sedia a COP30, a conferência do clima da ONU.
Porto e praia estão lado a lado, na confluência de duas baías, a do Guajará e a do Marajó. O movimento portuário de navios de carga, mais o lixo, o esgoto e a insegurança, transformaram a praia num lugar esquecido.
A presença dos navios de luxo na beira do rio ?algo nunca visto na região, uma das artificialidades características dessa COP30? devolveu o movimento de gente na praia do Brasília.
O poder público não se preparou para o que ocorreria na praia, que fica num bairro periférico em Outeiro, acostumado à ausência do Estado. Desde que os transatlânticos aportaram na região, na semana passada, o lugar se transformou de novo num ponto turístico, em razão da paisagem formada pelos dois cruzeiros, com capacidade para 6.000 leitos de hospedagem.
A praia do Brasília não foi preparada para o aumento do movimento de pessoas. Não havia banheiros químicos, não havia policiamento suficiente, nem assistência de bombeiros nos primeiros dias da novidade, segundo os moradores da região da praia. Também faltaram estrutura para oferta de comida e iluminação básica durante o período noturno.
Foi preciso improvisar, com uma grande quantidade de vendedores ambulantes na área da praia.
No momento em que o presidente Lula (PT) conduzia a abertura oficial da COP30 nesta segunda-feira (10), no pavilhão montado no Parque da Cidade, mais pessoas chegavam à praia do Brasília para ver os transatlânticos e passar o dia numa área que há muito tempo não via tanto movimento.
O interesse pelo lugar deve passar quando os navios seguirem seus cursos ao fim da COP30. Essa parte de Outeiro não passou por nenhuma transformação urbana para a conferência do clima.
A reportagem da Folha esteve na praia do Brasília, ao lado do porto de Outeiro, em janeiro e retornou ao local nesta segunda-feira. Os moradores de bairros da região dependem de fossas em razão da falta de uma rede coletora de esgoto; falta água limpa na torneira; e uma enorme erosão expulsa moradores para partes mais distantes do rio.
"Essa questão da erosão foi esquecida. O foco aqui está na COP30", afirma Damiris Lorena Monteiro, 29, que vive com o marido, Bruno Barbosa dos Santos, 29, e os filhos numa casa de madeira suspensa na área da praia.
A reportagem já havia conversado com Damiris em janeiro, quando a ampliação do porto de Outeiro para o recebimento dos transatlânticos era ainda um projeto. As modificações foram feitas, os cruzeiros de luxo estão ancorados, a COP30 teve início oficialmente, e a realidade do lugar permanece a mesma ?com exceção da enorme movimentação de gente para ver os navios.
"Quando chove, a água escorre até aqui dentro. Deveriam existir mais bueiros", diz Bruno.
Essa água carrega lixo, o que se repetiu ao longo do primeiro semestre do ano, durante o inverno amazônico, bastante chuvoso. O problema havia sido apontado por Damiris em janeiro: "Quando a maré desce, aqui junta todo tipo de lixo. É muita garrafa de plástico."
O avanço da erosão, que segue sem solução, interfere na própria circulação de ônibus pelas ruas.
Ao longo do ano, o Governo do Pará e a Prefeitura de Belém pavimentaram vias em Outeiro, como no aniversário do distrito, em abril, com o anúncio de asfalto e intervenções de drenagem em 14 ruas.
O porto foi improvisado como opção para a chegada de navios de cruzeiro ?também um improviso, uma forma de tentar ampliar a oferta de leitos na COP30? após recuo do governo Lula e do governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB), em relação à ideia inicial.
Os navios aportariam no porto de Belém, uma área bem central, ao lado da Estação das Docas. Para que os transatlânticos alcançassem o porto, seria necessária uma obra de dragagem na baía do Guajará orçada em R$ 210,3 milhões, com remoção de 6,14 milhões de metros cúbicos de material dragado. Os sedimentos seriam depositados na baía do Marajó.
Diante dos impactos ambientais previstos, os governos desistiram da ideia, e deram início a uma remodelagem e ampliação do porto de Outeiro.
Os hóspedes dos transatlânticos têm pouco contato com a praia do Brasília, com as ruas próximas e com a vida do distrito. Existe transporte próprio até o pavilhão da COP30, a partir do porto, e são poucas as pessoas dos navios que passam algumas horas na praia.
Na via inversa, a curiosidade pelos cruzeiros é imensa. Damiris diz acreditar que será assim até o fim da COP30, que ela pouco acompanha ou compreende. "Já apareceram aqui uns cariocas, japoneses e chineses que estão no navio", diz ela. "Até semana que vem vamos colocar aqui uma venda de água, cerveja e churrasquinho."