SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, conhecida como UNFCCC, tem um rombo de EUR 10,5 milhões (cerca de R$ 65,3 milhões) no orçamento deste ano. Ao considerar o período de 1996 a 2025, o débito salta para EUR 16,5 milhões (R$ 102,6 milhões), segundo dados da própria instituição.
O órgão é responsável por organizar as conferências de clima e depende de recursos dos países para funcionar. Conforme definido na COP28, realizada em 2023, as nações teriam de repassar EUR 37 milhões (R$ 228 milhões) até 1º de janeiro de 2025, mas destinaram apenas EUR 26,5 milhões (R$ 163 milhões) até 17 de outubro.
A lacuna de financiamento é maior que o custo operacional da UNFCCC, calculado em EUR 7,6 milhões, e o gasto com o quadro executivo que supervisiona a convenção, de EUR 2,2 milhões.
Os Estados Unidos são os maiores doadores à UNFCCC e deveriam contribuir com EUR 7,1 milhões neste ano --porém, acumulam uma dívida de EUR 6,9 milhões. O pagamento de EUR 197 mil referentes ao orçamento de 2025 foi feito em anos prévios, antes de Donald Trump voltar à Casa Branca.
A Folha questionou o governo americano sobre o atraso nos repasses. Em nota, a embaixada dos EUA no Brasil afirmou que não há novos anúncios a fazer. "O presidente Trump determinou uma revisão da participação e do financiamento dos Estados Unidos em organizações internacionais, com objetivo de assegurar que os recursos investidos nessas entidades não contrariem os interesses americanos."
A China, segunda maior doadora, havia se comprometido a pagar EUR 6,5 milhões à UNFCCC em 2025, mas deve EUR 1,8 milhão. O governo chinês não retornou à reportagem.
Somadas, as dívidas da China e dos EUA equivalem a 83% do total de recursos em atraso. Ao todo, 136 países ainda não completaram os repasses prometidos à convenção neste ano.
Filantropias americanas tentaram compensar o corte na verba dos EUA destinada à UNFCCC. A Bloomberg Philanthropies doou US$ 5 milhões a um fundo de atividades complementares em 2025, e a Rockefeller Philanthropy Advisors contribuiu com US$ 2,7 milhões -totalizando US$ 7,7 milhões, cerca de EUR 6,6 milhões, ou 95% do valor devido pelo país. Essas doações, porém, não reduzem a dívida da Casa Branca.
Em resposta a questionamentos da Folha, a UNFCCC enviou apenas uma declaração do secretário-executivo da convenção, Simon Stiell, feita durante uma entrevista coletiva na COP30, em Belém (PA).
"O foco do nosso financiamento deve ser por meio das partes [como os países são chamados pelo órgão], em vez de financiamento suplementar. Mas estamos descobrindo que, à medida que as demandas por novos mandatos aumentam, a necessidade de concentrarmos nossos esforços de arrecadação de fundos no lado suplementar continua a crescer", disse na ocasião.
Trump retirou o país do Acordo de Paris pela segunda vez, tratado assinado em 2015 para conter o aquecimento global, e tem um posicionamento contrário à atuação das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas. Apesar disso, os EUA seguem na UNFCCC.
"É o maior esquema de golpe jamais feito no mundo, na minha opinião", disse, durante a Assembleia-Geral da ONU em setembro.
Para Claudio Angelo, coordenador de política internacional no Observatório do Clima, "os Estados Unidos não vão pagar mais nenhum organismo internacional". "Não vai ter dinheiro americano para a convenção nunca mais enquanto a extrema direita estiver no poder lá", diz.
"Se você perguntar para o Trump, ele vai falar: 'Se o aquecimento global nem existe, para que eu vou pagar para esse órgão multilateral que cuida de um problema que não existe?' Isso vai ser um problema orçamentário para a convenção nos próximos muitos anos", afirma Angelo.
O especialista analisa que o rombo nos cofres do órgão já tem consequências. As Reuniões Climáticas de Junho, que preparam as discussões para as COPs, acontecem na sede da convenção em Bonn, na Alemanha. Segundo Angelo, as negociações no encontro prévio deste ano precisaram terminar pontualmente às 18h, por restrições de pagamento aos intérpretes.
"Depois das 18 horas, começa a ter que pagar hora extra para os tradutores da ONU, e a convenção não tinha grana para isso", diz. A UNFCCC não se manifestou sobre o assunto.
Angelo aponta outro efeito da limitação de orçamento: a falta de transmissão oficial da Cúpula dos Líderes, evento em Belém para chefes de Estado e de governo pré-COP30, que ficou a cargo do governo brasileiro.
"Quem quis ver os debates da cúpula não conseguiu, porque não havia transmissão oficial pela ONU, e o Brasil só transmitia as falas do [presidente] Lula", diz.