SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Para evitar que a fabricação de instrumentos musicais agrave o risco de extinção do pau-brasil (Paubrasilia echinata), uma conferência internacional estipulou a criação de um sistema de rastreamento global da cobiçada madeira da árvore.
A reunião, que terminou na sexta-feira (5), também previu estímulos para o plantio comercial e para a busca de substitutos para a matéria-prima, hoje considerada insuperável na qualidade sonora que traz para os chamados instrumentos de arco (como os violinos).
O acordo foi firmado durante a 20ª conferência da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção, na sigla inglesa), realizada em Samarcanda, no Uzbequistão, com articulação do Brasil para que a proteção à árvore-símbolo do país fosse intensificada.
Em comunicado conjunto dos ministérios do Meio Ambiente, da Cultura e das Relações Exteriores, o governo brasileiro afirmou que a decisão "representa avanço relevante para a conservação da espécie, preservando o equilíbrio entre proteção ambiental e expressão cultural".
A Cites classifica espécies animais e vegetais em diferentes anexos (categorias), de acordo com o grau de ameaça que sofrem e de quão restritivo é o comércio de indivíduos dessas espécies ou de produtos feitos a partir deles. Havia a possibilidade de que o pau-brasil passasse a ser uma espécie do Anexo 1, o mais controlado (é o mesmo no qual estão hoje chimpanzés e pandas-vermelhos, por exemplo). Nesse caso, nenhum tipo de comércio de exemplares obtidos na natureza é permitido, e mesmo a circulação não comercial é altamente controlada.
O temor de músicos profissionais no mundo todo era que isso inviabilizasse, por exemplo, a circulação de orquestras entre países e até mesmo o conserto de arcos quebrados. O arco, usado para tocar as cordas dos instrumentos, depende da elasticidade e densidade específicas da madeira de pau-brasil para produzir os sons mais apreciados por músicos e ouvintes. Há versões feitas de materiais sintéticos, mas sem o mesmo desempenho, de acordo com especialistas.
Na proposta aprovada em Samarcanda, o pau-brasil permaneceu no Anexo 2, menos restritivo de modo geral, mas com observações para aumentar o controle da circulação dos objetos feito com a madeira. As regras para circulação estipulam que os instrumentos musicais prontos, seus acessórios e as peças prontas para uso podem circular apenas "para apresentações pagas e não pagas, uso pessoal, exibição [em museus, por exemplo], empréstimo, competições, ensino, avaliação e reparos".
Para isso, no entanto, o transporte não pode envolver venda ou transferência do instrumento fora do país de residência do atual proprietário. Além disso, não haverá cota permitida para venda de madeira da espécie obtida na natureza (e não em plantações comerciais, por exemplo).
No entanto, ainda há a questão dos estoques de madeira obtidos antes de as regras da Cites quanto ao pau-brasil entrarem em vigor.
Como a fabricação de cada arco exige uma quantidade muito pequena de madeira, seria possível, em tese, abastecer as necessidades da indústria musical durante anos sem novas derrubadas da planta. Para que isso aconteça de forma idônea, porém, é preciso que haja avanços na rastreabilidade da matéria-prima e no mapeamento dos estoques legalizados.
Para isso, a nova decisão da Cites pede que os países-membros da convenção formulem critérios para "harmonizar" os processos de rastreamento no mundo todo, além de definir uma espécie de unidade comum de produção de arcos a partir de uma dada quantidade de madeira, seja na forma bruta, seja já em pedaços menores serrados. Também será necessário inventariar os estoques de matéria-prima de cada país.
A ideia é que essa harmonização se inspire em sistemas adotados para outras espécies de árvores protegidas pela convenção. Os países signatários também se comprometem a financiar pesquisas para testar técnicas de rastreabilidade, sendo a mais promissora a chamada espectrometria de infravermelho próximo, que poderia distinguir rapidamente a madeira oriunda de árvores plantadas da de espécimes selvagens.
O documento prevê também o incentivo à proteção da espécie e das áreas de mata onde ocorre naturalmente, a pesquisa sobre fontes alternativas de matéria-prima para os arcos e a divulgação da importância do pau-brasil para a qualidade dos instrumentos musicais. Prazos para a criação do sistema de rastreabilidade não chegaram a ser definidos na decisão.