BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O marco temporal de terras indígenas volta à pauta tanto do Congresso quanto do STF (Supremo Tribunal Federal) em um momento no qual os dois poderes vivem uma escalada de crise institucional.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), decidiu pautar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 48, que institui o marco no texto da Carta Magna, para esta terça-feira (9) no plenário da Casa.

O texto estava parado desde julho de 2024, quando sua votação foi suspensa na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em razão de um pedido de vistas.

Paralelamente, está na pauta da quarta-feira (10) do Supremo a sequência do julgamento sobre a lei do marco temporal.

O relator do caso na corte é o ministro Gilmar Mendes, que vive em guerra com Alcolumbre desde que decidiu limitar os poderes do Congresso de pedir impeachment de membros do STF.

Desde então, a tensão entre os poderes vem escalando.

O marco temporal é a tese segundo a qual os territórios indígenas devem ser reconhecidos de acordo com a ocupação deles no ano de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

Os povos criticam essa ideia e defendem que o direito ao território é anterior ao texto constitucional, portanto sua demarcação deve respeitar estudos antropológicos que determinem a área que cada grupo habita originalmente.

A Frente Parlamentar da Agropecuária, fiadora da bancada ruralista e maior grupo do Congresso, é a principal defensora do marco, e também marcou para esta terça uma reunião para debater o tema.

A movimentação concomitante no STF e no Parlamento espelha o que aconteceu nos últimos anos, também diante de tensão entre os poderes.

Em 2023, por exemplo, o Supremo julgou inconstitucional a tese, também em um momento de tensão entre Legislativo e Judiciário. Em reação, o Congresso votou e aprovou um projeto de lei que instituiu o marco, e os parlamentares articularam ainda a apresentação da PEC 48.

Após a aprovação do projeto, críticos e defensores acionaram o STF para ou derrubar ou referendar o texto.

O caso caiu justamente com Gilmar, que criou uma mesa de conciliação para encaminhar o assunto.

Durante as discussões, o ministro (que é um defensor da tese), chegou a propor a regularização da mineração dentro de terras indígenas, o que hoje não é permitido, mas recuou.

Agora, o STF encaminhou a ideia de apresentar um novo projeto de lei ao Congresso para tratar do tema. As sessões marcadas para esta semana na corte são justamente para debater o tema, mas não há votação prevista.

Na manhã da última quarta-feira (3), Gilmar determinou que apenas a PGR (Procuradoria-Geral da República) pode apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo, o que esvaziou os poderes do Congresso para tratar deste tema.

Mais tarde, no mesmo dia, Alcolumbre conduziu uma sessão no Senado com desabafos e críticas tanto ao STF, quanto ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Acho que nós já debatemos muito em relação a esse assunto, está na hora de a gente definir", disse ele, indicando que o tema do marco temporal avançaria. Logo depois, a PEC foi incluída na pauta do plenário.

Ainda não há consenso se o tema será mesmo votado nesta semana, ou não, mas há a possibilidade de ser aprovado um calendário especial para a tramitação da proposta, o que permitiria que ela passasse pelas duas votações obrigatórias em um mesmo dia.

Atualmente, o marco temporal é previsto em lei, mas é questionado no Supremo, que pode derrubá-lo.

O argumento da PEC 48 é justamente de incluir essa tese no texto da Constituição, impedindo assim que o Supremo a avalie como inconstitucional.

O texto da proposta tem um único dispositivo, que inclui no artigo 231 da Carta a previsão do "marco temporal de 5 de outubro de 1988" para fins de garantia da "posse permanente" dos territórios aos indígenas.

O texto também utiliza o termo índio, criticado pelos povos por ser uma terminologia de herança colonial.

"Agora que a COP30 passou, o Congresso quer protagonizar a semana do retrocesso", afirmou nesta segunda-feira (8) a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, fazendo referência à conferência climática das Nações Unidas que aconteceu em Belém, durante o mês de novembro.

"A PEC 48 é mais uma tentativa de aprovação do marco temporal, a proposta mais perigosa feita contra a garantia de direito do território para povos indígenas. Enquanto seguirem pautando esse absurdo, seguiremos resistindo", disse.