SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Verbas milionárias provenientes de incentivos do governo federal e da Prefeitura de São Paulo destinadas à restauração do Jockey Club foram utilizadas para bancar gastos de pessoas ligadas à organização social responsável pelo projeto de captação de recursos e execução de obras.'
Tradicional clube paulistano, o Jockey teve autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 159 milhões em patrocínios através de oitos projetos, válidos até 2028. Deste montante, a Elysium, organização social sediada em Goiânia e contratada pelo Jockey como proponente, conseguiu viabilizar R$ 25,7 milhões pela lei Rouanet, de acordo com a pasta.
Além deste incentivo do governo Lula, o Jockey arrecadou R$ 62 milhões entre 2019 a 2024 através do TDC (Transferência do Direito de Construir) ?instrumento que permite ao dono de um imóvel tombado pela prefeitura negociar parte da área não utilizada.
O valor do TDC, segundo a gestão municipal, deve ser utilizado para preservação do imóvel ou em doações para programas de regularização fundiária e implantação de parques e corredores de ônibus.
Ao prestar contas para gestão Ricardo Nunes (MDB) sobre o TDC, o Jockey enviou cópias das mesmas notas fiscais que já haviam sido entregues na prestação de contas ao Ministério da Cultura.
O clube admite que cometeu equívoco na entrega das notas e afirma que corrigiu a prestação de contas na prefeitura, que está sob análise da Controladoria-Geral do Município.
O clube também é alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara Municipal. Os vereadores pretendem apurar o montante das dívidas tributárias do Jockey com o município, se houve omissão da prefeitura e o destino de verbas de incentivos fiscais.
A CPI foi instaurada após reportagem publicada pelo UOL.
Entre os documentos anexados na prestação de contas entregues ao Ministério da Cultura e à prefeitura, a Elysium juntou recibos de pagamento de condomínio de um apartamento no Itaim Bibi, que pertence ao seu diretor Wolney Alfredo Arruda Unes, além de conta de gás encanado e serviços de internet.
Também há recibos de farmácia e jantares com porções de camarão e bebidas alcoólicas, como cerveja e vinhos.
A reportagem esteve no imóvel de Wolney Unes, na rua Tabapuã, e constatou que o apartamento está alugado. O prédio fica a quase 4 quilômetros do Jockey.
Na prestação de contas para a restauração do Jockey, há compras de dois aparelhos de ar-condicionado, cujo endereço de entrega é o do apartamento de Unes.
À Folha de S.Paulo a Elysium diz que uma instrução normativa do Ministério da Cultura permite o pagamento de despesas administrativas, incluindo gastos com energia, seguros, locações e serviços, limitado a 15% do valor do projeto.
A organização também afirma que optou por locar o apartamento para acomodar a equipe técnica. "Essas despesas referem-se, portanto, a gastos estritamente relacionados a esse apartamento, configurando uma grande economicidade frente aos custos que seriam gerados com hospedagem em hotel para a equipe", diz a Elysium.
"Esses gastos são administrativos e previstos legalmente, não se tratando de despesas pessoais."
EMPRESA DE GOIÂNIA
Fundada em 1989 e sediada em Goiânia, a Elysium tornou-se organização social cultural graças a um decreto do então governador Marconi Perillo, em 2014.
Em 2019, Benjamin Steinbruch, que presidia o Jockey, contratou Perillo para prestar serviços de consultoria à sua siderúrgica, a CSN.
Presidente do PSDB e conselheiro do clube, Perillo passou a atuar na administração do Jockey, na gestão Steinbruch, principalmente depois de perder a eleição ao Senado em 2018.
Professor da Universidade Federal de Goiás, Unes conduz projetos e pesquisas de restauro e patrimônio e afirma que, além de se reunir com Steinbruch, enquanto presidente do Jockey, para tratar de assuntos referentes ao restauro dos edifícios, conheceu Perillo em eventos de projetos culturais no estado.
"Fora isso, não tem qualquer relação pessoal ou de negócios com essas pessoas", afirmou o diretor da Elysium, em nota.
Entre as contratações e compras feitas pela Elysium para restauração do Jockey, grande parte concentra-se no estado de Goiás. Entre elas, uma construtora que teria recebido pelo menos R$ 11 milhões.
Há outros casos que chamam atenção, como a compra de espelhos em uma loja em Goiás, sendo que essa mesma fornecedora tem lojas em São Paulo.
Também houve aquisição de materiais elétricos e gráficos na Bahia. Em Salvador, uma empresa criada em junho de 2024 passou a emitir, logo no mês seguinte, nota fiscal à Elysium pelo serviço de apoio administrativo.
A organização afirmou à reportagem que mantém equipes profissionais em diversas localidades do país. Com relação às compras feitas em outros estados, a Elysium diz que há mercadorias em sua sede jurídica, em Santo Antônio de Goiás, e seu escritório em Goiânia.
A Elysium também pagou, conforme sua prestação de contas, à empresa em nome de Giulyane Guimarães Nogueira Gomes pelo serviço de coordenação administrativa da restauração do Jockey. Ao mesmo tempo que atuou como prestadora de serviço, Giulyane é diretora administrativa da organização social.
"As prestações de serviço da diretora administrativa ou de outras figuras da diretoria estão devidamente previstas e são fiscalizadas pelo Ministério da Cultura", diz a Elysium. A reportagem pediu para falar com a funcionária, mas a empresa respondeu em nome dela.
"Sua remuneração corresponde à sua função e qualificação, dentro dos limites e parâmetros legais, e não configura impessoalidade, mas sim o pagamento por um trabalho", completa a entidade.
O Ministério da Cultura afirmou, nesta segunda-feira (24), que contatou a gestão Nunes "a fim de apurar as irregularidades, mas até o momento não obteve retorno".
"O MinC está em processo de análise da prestação de contas dos projetos concluídos relacionados ao Jockey Club de São Paulo. Trata-se de um processo em curso e minucioso, a pasta segue com a avaliação da documentação apresentada pelo proponente, e a fiscalização dos projetos ainda em execução", diz a nota.
O Jockey, por sua vez, diz que a Controladoria-Geral do Município deverá avaliar os dados e comprovar que os recursos foram aplicados conforme previsto em termo de compromisso assinado entre o Jockey Club e o DPH (Departamento do Patrimônio Histórico), órgão vinculado à secretaria municipal de Cultural.
A Controladoria, ao receber as notas que foram entregues à Lei Rouanet no processo em que apura o uso do TDC, intimou o Jockey a refazer a sua prestação de contas.
O clube, então, enviou planilhas com gastos de combustíveis, óleo diesel, folha salarial, encargos com funcionários, manutenção do Jockey e asfalto das pistas de corridas, entre outras.
"O TDC é um benefício previsto em lei de caráter indenizatório, a contrapartida exigida é a manutenção e preservação do imóvel em condições de uso. No caso do Jockey, o DPH, quando da liberação do TDC, avaliou que seriam necessários R$ 11 milhões para manter o imóvel nas condições previstas na resolução de tombamento, e isso foi cumprido com larga folga, como atesta a prestação de contas entregue.
Com relação à Elysium, o Jockey defendeu a organização como uma "das mais conceituadas do Brasil" e com seus próprios fornecedores.
"Parte dos recursos advindos da Lei Rouanet podem ser usados para despesas administrativas. É importante ressaltar que essa prestação de contas foi apresentada ao Ministério da Cultura e foi integralmente aprovada, sem ressalvas", afirma o Jockey.