SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Era segunda-feira pós-feriado da Consciência Negra quando o chef Ivan Santinho foi às pressas ao restaurante que mantém há seis anos em uma rua pacata na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo. O muro que separa o estabelecimento estava sendo demolido por funcionários da obra de um condomínio no terreno vizinho.

Vídeos registraram o momento em que tijolos e partes da alvenaria foram derrubados sobre o jardim e o mobiliário do La Cura. "Nem fomos avisados, não tive a oportunidade de recolher os móveis", diz o chef.

Em uma das sequências gravadas por ele, integrante da equipe usa uma escada para remover uma luminária da parede enquanto um operário da obra marretava a parte superior do muro. "Não é só uma questão de derrubar muro, eles atropelaram a gente", continua Santinho.

Outro registro feito pelo restaurante mostra uma retroescavadeira dentro do salão, e operários usando vassouras para tirar os escombros da escadaria na entrada do restaurante. A tubulação de gás do local foi rompida durante a demolição, segundo o dono.

A demolição era alvo de disputa judicial e ocorreu pouco mais de uma hora após audiência de conciliação, com resultado favorável à incorporadora Toca55, responsável pela obra, um condomínio com 14 apartamentos de até 448 metros quadrados e quatro vagas de garagem por unidade.

Procurada, a incorporadora afirmou que avisou a defesa do chef sobre a execução imediata dos trabalhos e que houve diversas tentativas de tratativas amigáveis antes do início da demolição.

O chef conta que a retirada do muro inviabilizou o funcionamento do restaurante, usado também para eventos e festas de casamento, e não há previsão de reabertura. "Devolvi dinheiro de eventos enormes, fiz mais de 30 Pix de devolução e um prejuízo incalculável."

As duas partes, agora, negociam uma indenização. "Como a obrigatoriedade de execução do muro era do terreno onde está localizado o restaurante, por lei, não há indenização devida por parte da incorporadora", diz a empresa em nota.

Segundo a incorporadora, o estabelecimento pediu "valor abusivo" para compensar os transtornos e o tempo em que o restaurante ficará fechado. O chef diz que foi oferecida indenização de R$ 50 mil. "Esse valor não cobre nem meus custos de advogado", diz Santinho.

Para Santinho, a disputa com a incorporadora é sintoma da intensa especulação imobiliária vigente no bairro. Inquilino do imóvel desde 2018, ele conta que tem contrato de 15 anos com o proprietário, negociado após uma série de reformas e melhorias para comportar o atendimento aos clientes.

O mercado de imóveis residenciais de alto padrão em São Paulo teve alta de 7%, no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período em 2024, segundo levantamento da startup Pilar, com base em dados do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).

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