BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Senado aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que institui o marco temporal para demarcação de terras indígenas, após acelerar a tramitação do tema e permitir sua deliberação em dois turnos de forma expressa na sessão desta terça-feira (9).

O texto, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados (onde tem amplo apoio), inclui na Carta Magna a restrição de que os territórios devem ser demarcados apenas conforme sua ocupação no ano de 1988. A previsão é criticada por movimentos dos povos originários e defendida pelo agronegócio.

No primeiro turno, 52 senadores foram favoráveis ao texto, e 14, contra. No segundo, houve um voto contrário a mais.

Já com a sessão em andamento, o senador Esperidião Amin (PP-SC) publicou um novo relatório, que inclui a previsão de indenização a fazendeiros, veta a ampliação de territórios e prevê a participação de proprietários rurais durante todo o processo de demarcação.

A votação acontece em um momento no qual o Congresso vive tensão com o STF (Supremo Tribunal Federal), que também tem na pauta desta semana, na quarta-feira (10), uma sessão sobre o marco.

A disputa foi desencadeada após o ministro Gilmar Mendes decidir, de forma monocrática, retirar dos parlamentares o poder de abertura de impeachment de ministros da Corte, limitando essa possibilidade apenas à PGR (Procuradoria-Geral da República).

Em resposta, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pautou uma série de projetos que são focos de tensão com o Supremo, inclusive o marco temporal.

O texto estava parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde julho de 2024. Com o calendário especial, pode ir direto ao plenário e ser deliberado em dois turnos de uma vez só ?tradicionalmente, a tramitação acontece em duas votações, separadas por cinco sessões.

A proposta de calendário especial partiu da senadora Tereza Cristina (PP-MS) e foi aprovado por 48 a 21. PT, MDB, PSD e a bancada do governo foram contra a tramitação expressa.

A instituição do marco temporal impacta terras indígenas que, somadas, acumulam quase 11 mil requerimentos de mineração.

O marco temporal é a tese segundo a qual os territórios indígenas devem ser reconhecidos de acordo com a ocupação deles no ano de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

Os povos criticam essa ideia e defendem que o direito ao território é anterior ao texto constitucional, portanto sua demarcação deve respeitar estudos antropológicos que determinem a área que cada grupo habita originalmente.

A Frente Parlamentar da Agropecuária, fiadora da bancada ruralista e maior grupo do Congresso, é a principal defensora do marco e também havia marcado para esta terça uma reunião para debater o tema.

Originalmente, o texto da PEC tinha um único dispositivo para prever, no artigo 231 da Constituição, que estringiu os direito dos povos apenas à áreas ocupadas no "marco temporal de 5 de outubro de 1988".

Em seu último relatório, Amin manteve o marco "na data da promulgação desta Constituição", mas vetou a "ampliação [dos territórios] além dos limites já demarcados".

Ele também incluiu dois outros dispositivos, um deles para prever a possibilidade de que a União tenha que indenizar os proprietários rurais caso a desapropriação das terras seja necessária, inclusive em casos em que a área seja ocupada por posseiros ou se enquadrem como terra nua, ou seja, nunca tenha sido explorado por alguém.

O outro prevê que todo o processo de demarcação, que é realizado por órgãos indigenistas a partir de estudos antropológicos, possa ser autuado e tenha a participação inclusive de municípios, estados e também dos fazendeiros.

A aprovação concomitante no STF e no Parlamento espelha o que aconteceu nos últimos anos, também diante de tensão entre os poderes.

Em 2023, o Supremo julgou inconstitucional a tese. Em reação, o Congresso votou e aprovou um projeto de lei que instituiu o marco.

Após a aprovação do projeto, críticos e defensores acionaram o STF para ou derrubar ou referendar o texto.

Foi justamente nesse contexto que parlamentares articularam a apresentação da PEC, que recebeu o número 48.

O argumento é justamente que incluir o marco temporal no texto da Constituição impediria o Supremo de avaliar a tese como inconstitucional.

No Supremo, o caso está sob relatoria de Gilmar, que criou uma mesa de conciliação para encaminhar o assunto.

O ministro, que é um defensor da tese, chegou a propor a regularização da mineração dentro de terras indígenas, o que hoje não é permitido, mas recuou.

Agora, o STF encaminhou a ideia de apresentar um novo projeto de lei ao Congresso para tratar do tema. As sessões marcadas para esta semana na corte são para debater o tema, mas não há votação prevista.

ENTENDA O QUE MUDA COM A PEC DO MARCO TEMPORAL

Atualmente, o marco temporal é apenas previsto em lei ordinária e tem sua constitucionalidade questionada em processo que corre no STF sob relatoria de Gilmar Mendes

Em decisões anteriores sobre esse tema, a Corte julgou que o dispositivo deveria ser derrubado

Se aprovado em forma de PEC ?que ainda precisa passar pela Câmara e pode ter que voltar ao Senado caso seja alterada?, o marco passa a constar na Constituição Federal

Como a Corte deve julgar à luz da Carta Magna, o objetivo dessa medida é fazer com que a tese seja validada

Além disso, o texto prevê indenização inclusive em casos de terra nua. Esse dispositivo prevê que, para demarcar uma terra, a União pode ser obrigada a indenizar os proprietários daquela área, inclusive posseiros, e mesmo em casos nos quais a área esteja intocada ?ou seja, nunca tenha sido usada pelo fazendeiro para fim algum.

Atualmente, o processo de demarcação parte de estudos antropológicos e análises jurídicas por meio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), dos ministérios dos Povos Indígenas e da Justiça e pela Presidência da República.

A proposta prevê que este processo deve assegurar a participação das cidades e dos estados, além dos próprios proprietários rurais