SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A ONG Católicas pelo Direito de Decidir lança nesta quarta-feira (10) o Observatório sobre Laicidade, Gênero e Aborto, com a intenção de produzir evidências sobre interferências religiosas nas políticas públicas e nos direitos humanos.
A organização também afirma que se dedicará a produzir evidências que orientem políticas públicas voltadas à garantia do aborto legal.
Segundo Denise Mascarenha, coordenadora executiva e integrante do grupo de estudos de saúde coletiva da Universidade Federal de Uberlândia, o observatório "surge para analisar e monitorar a atuação do conservadorismo religioso católico contra os direitos humanos".
Em de outubro uma comissão do Senado aprovou sem alarde uma série de projetos que visam restringir o aborto nos casos previstos em lei.
A Comissão de Direitos Humanos da Casa fez avançar três projetos: um deles impede o uso de ferramentas de telessaúde para o aborto legal, outro proíbe a interrupção da gravidez acima de 22 semanas em caso de estupro e anencefalia, e o terceiro quer obrigar o poder público a divulgar centros de "apoio à gravidez", muitas vezes ligados a organizações antiaborto. Eles fazem parte de uma ofensiva liderada pela presidente da CDH, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), e pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Denise afirma que a ONG defende o direito à legalização do aborto, assim como a autonomia da mulher decidir sobre a sua vida reprodutiva. "A gente se contrapõe à narrativa conservadora religiosa", afirma.
No contexto brasileiro, no entanto, considera que há uma dificuldade basilar para a garantia do direito ao aborto legal, ou seja, já previsto em lei desde 1940, em casos de risco de vida para a gestante ou gravidez por estupro. Em 2012, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu também, por oito votos a favor e dois contrários, que a interrupção de gravidez no caso de fetos com anencefalia comprovada não é crime.
A onda mais recente de debate sobre o direito ao aborto legal no Brasil conta também com um protagonista, o CFM (Conselho Federal de Medicina). Foi uma resolução da entidade restringindo o aborto após 22 semanas, emitida em março de 2024 e logo depois derrubada pelo STF, que incentivou a mobilização pela criação de um projeto de lei no Congresso sobre o tema.
"Nos últimos anos, a gente presenciou essa capacidade de articulação desses grupos conservadores cristãos, que podem inclusive ameaçar a democracia, e contando com os ataques à agenda de gênero. Então, a gente percebeu a necessidade de refletir sobre democracia a partir da laicidade, a partir de gênero e aborto, mas numa dimensão estrutural e não identitária, como costumam colocar. Inclusive, partindo de uma pergunta básica: 'O que significa uma cidade no contexto brasileiro?'."
Um dos temas de estudo do observatório será a "objeção de consciência" dos médicos. Considerada um amparo ético que resguarda a médicos a opção de não realizar procedimentos que coloquem em xeque suas crenças, a objeção de consciência foi um dos elementos presentes na história da menina capixaba de dez anos, grávida após ser vítima de seguidos estupros, que precisou viajar mais de 1.600 quilômetros para ter acesso ao aborto legal.
"A ideia é de fazer esse mapeamento para entender a dimensão da atuação da Igreja católica dentro desse contexto em que ela também presta serviços essenciais para o Estado e como o Estado fica ainda muito vulnerável democraticamente diante dessa conjuntura", diz.