BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Em reunião que terminou nas primeiras horas desta quarta-feira (10), negociadores dos países da União Europeia e do Parlamento Europeu concluíram o acordo que flexibiliza as metas climáticas do bloco. Nominalmente forte, o corte de 90% das emissões em 2040 na prática pode chegar a 85% e, se for o caso, a 80%.
"A meta atende à necessidade de ação climática ao mesmo tempo em que protege nossa competitividade e segurança", declarou, Lars Aagaard, ministro dinamarquês de Clima e Energia, que negociou o acordo em nome dos governos da UE.
Aagaard escolheu um dos termos mais usados nas negociações ambientais do bloco neste ano para explicar o acordo. "Competitividade", assim como "simplificação", virou palavra de ordem em Bruxelas, moderando ou, na visão de ambientalistas, comprometendo a liderança ambiental do bloco.
O corte de 90% das emissões de gases do efeito estufa em relação ao verificado em 1990 poderá ser alcançado com a compra de créditos de carbono de países em desenvolvimento em um volume equivalente a até 5 pontos percentuais da meta a partir de 2036.
Ficou acordado ainda, como opção futura, a utilização de créditos internacionais de carbono para cumprir outros 5 pp da meta de 2040, o que poderia levar o corte doméstico no fim das contas a 80%.
O projeto agora vai a voto nos Parlamentos Europeu e dos 27 países-membros, mas a expectativa é de uma tramitação tranquila diante da conclusão das negociações.
Os mecanismos acertados não existiam no plano original da Comissão Europeia, que há 18 meses discutia o assunto com o Parlamento e políticos do bloco. Neste ano, a pedido da França, uma compensação de 3 pp foi inserida para fazer deslanchar o debate. A medida foi celebrada pela Alemanha, mas considerada insuficiente por diversos países.
Polônia, Eslováquia, Hungria e, até certo ponto, a Itália, se opuseram ao plano, alegando que suas indústrias enfrentam altos custos de energia, uma competição inglória contra produtos chineses e o tarifaço imposto neste ano pela administração Donald Trump.
Do outro lado, um grupo formado por Espanha, Holanda, Suécia e Dinamarca pressionavam pela manutenção dos 90% em 2040, lembrando dos últimos eventos extremos provocados pela mudança climática no continente e a conclusão lógica de que uma meta menos ambiciosa desaceleraria a busca por tecnologia verde, dominada pela China.
O bloco chegou à Assembleia Geral da ONU, em setembro, sem uma meta climática acertada. Para evitar um fiasco maior, a Dinamarca, que exerce a presidência temporária da UE, arrancou na última hora uma carta de intenções dos negociadores, sinalizando que a meta de corte seria de 90%, deixando os detalhes de como fazer isso para depois.
Em novembro, dias antes do início da COP30 em Belém, em outra reunião que alcançou a madrugada em Bruxelas, os 5 pp de flexibilização foram negociados, permitindo o anúncio da NDC (contribuição nacionalmente determinada, na sigla em inglês) e tornando menos penoso o trabalho dos negociadores europeus na conferência.
Ao site Euractiv, Wopke Hoekstra, comissário da UE para o Clima, descreveu o acordo como "muito robusto, muito ambicioso e, ao mesmo tempo, muito pragmático".
Diante da iminente flexibilização, um grupo de eurodeputados obteve da Comissão a inclusão no projeto de um "critério de qualidade" para as ações climáticas externas ao bloco eventualmente usadas para abater emissões de países-membros. Além de sustentáveis e auditáveis, precisarão atender a interesses estratégicos da UE.
Outro pleito acatado por Bruxelas foi o compromisso de esclarecer que a compra de créditos externos não pode ocorrer no âmbito do mercado de carbono da UE, o ETS (sistema de comércio de emissões), que limita e regula as transações dentro do bloco, cobrindo cerca de 40% das emissões da indústria europeia atualmente.
No entanto, uma tarifação de carbono sobre combustíveis foi adiada para 2028 para garantir adesões de última hora ao acordo.
Também permaneceu no projeto a revisão da meta climática a cada dois anos, um pleito da França, preocupada com expectativas frustradas de mitigação em setores como agricultura e silvicultura. Revisões periódicas preocupam os especialistas, que as percebem como janelas para maiores amenizações no futuro.
A fragilização da meta climática europeia se soma a outras diversas alterações propostas por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que transformou a luta contra a burocracia e o alegado regramento excessivo da UE como plataforma de seu segundo mandato.
A legislação ambiental é alvo constante dessa iniciativa, que vai de encontro à influência cada vez maior de populistas e da ultradireita nos Parlamentos do bloco.
Nesta quarta-feira (10), uma coalizão de entidades ambientalistas, reunidas sobre o nome "Hands off Nature", alertou para os efeitos deletérios que percebem na condução de Von der Leyen. Enumeram, entre outras iniciativas, o adiamento e a revisão da lei antidesmatamento, alterações no controle de produtos químicos e pesticidas e simplificação de regras ambientais para empresas e negócios de pequeno porte.
"A UE deve escolher se continua a ser um líder global na proteção das pessoas e da natureza ou se quer virar um playground sem regras para interesses corporativos", diz comunicado publicado pelas entidades.