BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) avalia mudança em regras sobre tratamentos com produtos à base de maconha que pode permitir, entre outros pontos, a importação da planta para pesquisa e fabricação de medicamentos.
O debate da diretoria colegiada da agência foi suspenso nesta quarta-feira (10) por pedido de vista do diretor Thiago Campos. O texto proposto também permite registro de medicamentos administrados por via bucal, sublingual e dermatológica. A regra anterior só aceitava fármacos para uso oral e inalatório.
A proposta altera uma resolução de 2019 que estabelece condições para o registro, fabricação, comercialização e prescrição destes medicamentos.
A nova regra pode autorizar a entrada no país da "espécie vegetal Cannabis sativa L.", além do extrato obtido da planta e do fitofármaco CBD (canabidiol). Também permite importação do produto intermediário ou a granel.
O texto em discussão trata dos medicamentos que podem ser vendidos regularmente em farmácias. A agência ainda permite a importação excepcional de produtos para uso individual, que não são avaliados pelo órgão regulatório brasileiro. Também há casos em que o paciente obtém a terapia por decisão da Justiça.
O regimento da Anvisa prevê que, após o pedido de vista, o diretor tem o prazo de duas reuniões ordinárias da agência para apresentar a sua manifestação.
A proposta apresentada pelo relator do processo, o diretor Rômison Mota, restringe a importação excepcional dos produtos. O texto estabelece que a entrada de medicamento sem registro só será permitida quando não houver um fármaco "em mesma forma farmacêutica e concentração regularizado no país".
"É fundamental, sob o ponto de vista de segurança da sociedade, que sejam priorizadas iniciativas que ampliem o acesso dos pacientes apenas a produtos regularizados", disse Mota.
Ele disse que não há mais o "cenário de ausência completa de produtos de Cannabis no mercado" que levou a Anvisa, em 2015, a permitir a importação excepcional dos produtos. Há 33 produtos de canabidiol, além de 16 extratos de Cannabis registrados pela Anvisa.
A agência chegou a prever a liberação da manipulação dos medicamentos à base de Cannabis em farmácias, mas a versão final da resolução retirou a possibilidade.
O texto apresentado por Mota ainda amplia condições de uso para medicamentos com concentração de THC (tetrahidrocanabinol) acima de 0,2%, hoje restritas a pacientes em cuidados paliativos ou com condições clínicas irreversíveis ou terminais. Pela proposta, o tratamento nessas condições passa a incluir "doenças debilitantes graves" e pode beneficiar, por exemplo, pacientes com dor neuropática crônica, segundo análises da Anvisa.
A Anvisa definiu que o produto com mais de 0,2% de concentração do tetrahidrocanabinol é contraindicado para menores de 18 anos, gestantes e lactantes. O profissional prescritor (médico ou dentista) também deve avaliar o risco para maiores de 65 anos e pacientes que tenham "histórico de dependência de Cannabis sativa L. ou que façam uso não medicinal desta", afirma a nova regra.
A decisão da Anvisa não libera o cultivo da Cannabis no Brasil, tema que é debatido pela agência em outro processo. A Anvisa e outros órgãos da União devem apresentar até o fim de março um regulamento sobre o plantio para fins exclusivamente medicinais e farmacêuticos, por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A agência já permitiu, em novembro, que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) realize pesquisas com a planta.
Durante a reunião da Anvisa, Carolina Sellani, representante da Abifiqui (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos), disse que a regra de 2019 da agência "respondeu a demandas urgentes" de acesso a produtos de Cannabis, enquanto a proposta de nova resolução abre "janela clara de oportunidade para estimular produção local".
Para a diretora do Sindusfarma, Rosana Mastellaro, a mudança proposta permite a continuidade de pesquisas e investimentos para o acesso a produtos e medicamentos com qualidade, segurança e eficácia.
O texto sugerido pelo relator também muda regras sobre marketing, hoje proibido em qualquer hipótese, e uso de nome comercial dos medicamentos. A proposta é autorizar a publicidade do produto de Cannabis aos profissionais prescritores e farmacêuticos dispensadores.
Os produtos também poderiam receber nome comercial, segundo o relatório, mas com restrições a uso de termos estrangeiros ou alegações terapêuticas. Mota também sugere que rótulos não possam usar expressões como "óleo de Cannabis", "óleo de canabidiol", "óleo de CBD", "full spectrum", "broad spectrum" e "extrato completo".
O uso dos produtos à base da Cannabis é autorizado somente para fins medicinais e para pacientes sem alternativa terapêutica satisfatória. O acesso não é simples e parte dos pacientes avalia que há um número limitado de terapias regularizadas.